Morando em área de milícia no Rio de Janeiro – Carlos Vitor de Castro

Moro nesta casa há dez anos em algum lugar da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Quando vim para cá o lugar era uma merda, assaltos depois de 10 horas da noite eram obrigatórios e quando íamos comprar pão cedo ainda víamos gente nas biroscas bebendo e cheirando pó as sete da manhã, não é uma cena para se começar o dia.

Minha bicicleta maravilhosa, toda de alumínio, câmbio e freios importados que eu comprei a preço de banana de um aluno que havia comprado uma moto, foi roubada dentro de casa, pularam o muro daqui e levaram, joguei todas as pragas do mundo no ladrão safado.

As pragas que evoquei das profundezas do inferno apareceram, uma milícia se instalou nos dois morros próximos e passamos por um mês de conflito, gente do tráfico local não conformada com a tomada do território ainda tentou tomar de volta algumas vezes, sem sucesso, a delegacia local dava suporte aos milicianos. A delegada era contra, mas não tinha como ela segurar os policiais que ajudavam e eram sócios da milícia.

A delegada é bem famosa agora.

Neste momento as coisas pareciam que iam ficar feias, não sabíamos o que era a milícia. Dois terrenos aparentemente abandonados foram tomados e loteados pela milícia, o terreno da esquina tinha um morador, um mendigo maluco que morava em baixo de umas caixas de papelão no centro do terreno coberto de mato. Ele sumiu, milicianos colocaram o cara na mala de um carro e nunca mais foi visto. Deve estar no céu dos miseráveis junto com personagens de Vitor Hugo.

Começou também uma espécie de faxina social nos dois morros e nas ruas dos arredores, era uma espécie de lei de Talião ao quadrado, mataram todos os ladrões, maconheiros e cheiradores. Dois rapazes que moravam na minha rua sumiram. Era sempre assim, não haviam mortes públicas, o cara sumia.

Este é o ponto, o paradoxo, minha rua era uma merda e ficou uma beleza, e vi isso representado num rapaz que passava pela rua as duas da manhã ouvindo funk no celular, são uns chatos, é claro, mas há dois anos atrás quem tivesse um celular como aquele esconderia dentro da cueca. Por incrível que pareça tudo ficou mais seguro por aqui.

Para quem mora nos arredores, nas ruas que terminam nos morros é o paraíso, sem assaltos, sem crack, sem ninguém cheirando e bebendo as sete da manhã. Mas para quem mora no morro não melhorou muito.

Para quem mora na favela o sistema é diferente, eles tem de pagar taxas mensais de “segurança”, quem não paga, ou apanha na frente de todo mundo ou some, levam broncas e são humilhados. O botijão de gás na favela custa 10 reais a mais do que eu pago.

Ficamos aqui entre o caldeirão e a fogueira, o estado não existe, não se faz presente. Estado no Rio de Janeiro vai do Leme até Botafogo, fora da zona sul temos áreas conflagradas que são disputadas pelas milícias e traficantes, a policia combate quem lhe convém.

Por aqui a coisa está tão feia, que quando um batalhão invade uma favela, mata um ou dois e apreende alguma droga, outra facção, previamente combinada entra atrás da polícia e já toma conta. Nas polícias do Rio temos 10% de honestos se cagando de medo, com toda razão, dos desonestos.

Em algumas situações no sistema prisional do Rio, temos PMs nas guaritas superiores e agentes da Seap em baixo, de cara com a bandidagem. Este agente penitenciário tem medo do PM que está na guarita e vice versa, um tem medo que o outro lhe dê um tiro para deixar um preso fugir. Para falar o português mais claro: tá a maior merda por aqui.

Eu preferia que o estado se expandisse, não cuidasse só da zona sul da cidade e viesse salvar a nós por aqui.

Por enquanto o menos pior é a milícia, só temos mais uma opção que é o tráfico com os zumbis do crack que vem junto. O estado só aparece por aqui para pedir votos. Uma meleca de estado.

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