O Jovem Casal – crônica de Rubem Braga

Estavam esperando o bonde e fazia muito calor. Veio um bonde mas estava tão cheio, com tanta gente pendurada nos estribos que ela apenas deu um passo à frente, ele apenas esboçou com o braço o gesto de quem vai pegar um balaustre – mas desistiram.

Um homem com uma carrocinha de pão obrigou-os a recuar mais perto do meio-fio; depois o negrinho de uma lavanderia passou com a bicicleta tão junto que um vestido esvoaçante bateu na cara do rapaz.

Ela se queixou de dor de cabeça; ele sentia uma dor de dente não muito forte, mas enjoada e insistente, mas preferiu não dizer nada. Ano e mio casados, tanta aventura sonhada, e estavam tão mal naquele quarto de pensão no Catete, muito barulhento: “Lutaremos contra tudo” – havia dito – e ele pensou com amargor que estavam lutando apenas contra as baratas, as horríveis baratas do velho sobradão. Ela apenas com um gesto de susto e nojo se encolhia a um canto ou saía para o corredor – ele, com repugnância, ia matar o bicho; depois, com mais desgosto ainda, jogá-lo fora.

E havia as pulgas; havia a falta de água, e quando havia água, a fila dos hospedes no corredor, diante da porta do chuveiro. Havia as instalações que sempre cheiravam mal, o papel da parede amarelado e feio, as duas velhas gordas, pintadas, da mesinha ao seu lado, que lhe tiravam o apetite para a mesquinha comida da pensão. Toda a tristeza, toda a mediocridade, toda a feiúra duma vida estreita onde o mau gosto atroz e pretensioso da classe média se juntava à minuciosa ganância comercial – um ovo era “extraordinário”, quando eles pediam dois ovos a dona da pensão olhava com raiva, estavam atrasados dias no pagamento.

Passou um ônibus enorme, parou logo adiante abrindo com ruído a porta, num grande suspiro de ar comprimido, e ela nem sequer olhou o ônibus, era tão mais caro. Ele teve um ímpeto, segurou-a pelo braço disposto a fazer uma pequena loucura financeira – “vamos pegar um ônibus!” Mas o monstro se fechara e partira jogando-lhes na cara um jato de fumaça ruim.

Ele então chegou mais para perto dela – lá vinha outro bonde, não, mas aquele não servia – enlaçou-a pela cintura, depois ficou segurando seu ombro com um gesto de ternura protetora, disse-lhe vagas meiguices, ela apenas ficou quieta. “Está doendo muito a cabeça?” Ela disse que não. “Seu cabelo agora está mais bonito, meio queimado de sol.” Ela sorriu levemente, mas de repente: “ih, me esqueci da receita do médico”, pediu-lhe a chave do quarto, ele disse que iria apanhar para ela, ela disse que não, ela iria; quando voltou, foi exatamente a tempo de perder um bonde quase vazio; os dois ficaram ali desanimados.

Então um grande carro conversível se deteve um instante perto dos dois, diante do sinal fechado. Lá dentro havia um casal, um sujeito meio calvo de ar importante na direção, uma mulherzinha muito pintada ao lado, sentiram o cheiro de seu perfume caro. A mulherzinha deu-lhes um vago olhar, examinou um pouco mais detidamente a moça, correndo os olhos da cabeça até os sapatos pobres – enquanto o senhor meio calvo dizia alguma coisa sobre anéis, e no momento do carro partir com um arranco macio e poderoso ouviram que a mulherzinha dizia: “se ele deixar aquele por quinze contos, eu fico”.

Quinze contos – isso entrou dolorosamente pelos ouvidos do rapaz, parece que foi bater, como um soco, em seu estômago mal alimentado – quinze contos, meses e meses de pensão! Então olhou a mulher e achou-a tão linda e triste com uma blusinha branca, tão frágil, tão jovem e tão querida, que sentiu os olhos arderem de vontade de chorar de humilhação por ser tão pobre; disse: “Viu aquela vaca dizendo que ia comprar um anel de quinze contos?”

Vinha o bonde.

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