O Analista de Bagé – Luis Fernando Veríssimo

Contam que Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé (segundo ele, “mais eficiente que purgante de maná e japonês na roça”), desenvolveu um método para separar os casos graves dos que são só – como diz o analista de Bagé – “loucos de faceiros”. Enquanto preenche a ficha, ela dá a cada paciente em potencial uma cuia de chimarrão no formato de um seio. Depois vai anotando: “Quis chupar a cuia em vez da bomba”, “Começou a gemer e acariciar a cuia”, “Atirou contra a parede”, etc. Assim, quando recebe o paciente, o analista de Bagé já sabe o que esperar.

Mas nada preparou o analista de Bagé para a entrada no seu consultório do megalômano de Carazinho.

O diálogo entre os dois já começou mal.

– Te deita no divã.

– Não deito.

– Te deita, bagual!

– Não deito!

– E por que não deita?

– Em primeiro lugar, porque só quem mandava em mim era o meu pai, que já está no Grande Galpão do céu capando anjo pra fazer lingüiça. Em segundo lugar, que o analista aqui sou eu.

E com isto o analista de Bagé derrubou o outro com um peitaço e o segurou sobre o pelego do divã com um joelho na omoplata. Gritou:

– Diz qual é teu problema!

– Não digo pra qualquer um!

– Diz senão te arranco esses bigodes dois a dois.

– Todos dizem que eu tenho mania de ser melhor do que os outros, mas eu não acredito neles.

– E por que não?

– Porque é tudo gente inferior.

O analista de Bagé saiu de cima do outro, mas deixou o facão bem à vista, para evitar incomodação. O outro continuou.

– Eu tenho megalomania.

– Não tem – disse o analista de Bagé, brabo. Sabia que era verdade, mas não agüentava fanfarrão.

– Quer saber mais do que eu?

– Sei mais do que tu, teu irmão, tua mãe e teu pai, se fosse conhecido.

Nisso o megalômano de Carazinho subiu em cima do divã, apontou um dedo para o analista de Bagé e ameaçou:

– Olha que eu te transformo em pedra.

O analista de Bagé abriu a camisa e ofereceu o peito:

– Pois transforma. Quero ver. Transforma!

O outro mudou de tática. Ergueu a mão como numa bênção e disse:

– Eu te perdôo.

Aí o analista de Bagé avançou.

Na sala de espera Lindaura esperou meia hora antes de entrar no consultório.

Tinha ordens do analista de Bagé sobre como agir de acordo com os sons que ouvia. “Resfolego, não liga. Gemido, vai pra casa. Grito, te prepara. Mobília quebrada, entra.” Decidiu entrar. Encontrou o megalômano de Carazinho inconsciente embaixo do divã virado, com só metade do bigode. Depois o analista de Bagé explicou:

– Doença é uma coisa. Convencimento é outra.

O outro era “metido a grancosa”. Mas ele perdera mesmo a paciência quando ouvira o outro dizer:

– Sou o maior megalômano do mundo!

Aparecia cada um.

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