Cana Amarga – Crônica de Paulo Mendes Campos

Um dia, o engenheiro Salgado estava aqui no Rio, por acaso diante de um colégio na hora da saída, quando uma irmã de caridade, fungando desconfiança, perguntou-lhe:

— O senhor está esperando criança?

— Não, senhora, sou gordo assim mesmo; distúrbio glandular, dizem os médicos.

Mas o diálogo insustentável de sua vida nada teve a ver com o seu corpo enorme. Foi em uma estrada de rodagem no interior de Pernambuco. O caminho se adentrava em um canavial, e Salgado, menino de engenho no Ceará, sentiu vontade de chupar cana, parou o carro, afastou os arames da cerca. Cortar cana, enramá-la num feixe é coisa que todo bom nordestino faz em um átimo. Com o molho às costas, preparava-se de novo para sair, quando ouviu uma voz cantada à maneira da terra e de frieza metálica:

— Moço.

Entre os pés de uma touceira, espingarda na mão, estava um caboclo de olhar tão impessoal e gelado quanto a voz que o chamara.

— Às suas ordens, conterrâneo.

— Que está fazendo aqui, moço?

— Ia passando de automóvel…

— Passando por onde, moço?

— Aí pela estrada.

— E o que está fazendo então aqui dentro, moço?

— O senhor queira me desculpar…

— Desculpar o que, moço?

— Eu ter entrado e apanhado um pouco de cana.

— A cana era sua, moço?

— Mas o senhor vai compreender…

— Compreender o que, moço?

— Estou indo pra casa de um irmão e meus sobrinhos gostam muito de cana.

— Cana dos outros, moço?

— Um pouquinho de cana de nada…

— Como é que vai entrando em terra dos outros pra roubar cana, moço?

— Bem, eu não queria roubar.

— Queria roubar, sim, moço.

— Ia procurar alguém e pagar.

— Mentira, moço.

— Pois então eu pago agora.

— Pagar o que, moço?

— A cana. Quanto é?

— Quanto é o que, moço?

— A cana.

— Quem está vendendo cana, moço?

— Ora, meu irmão, escute uma coisa: essa conversa está ficando aborrecida, já não sou mais criança, vou dar o fora. Pode ficar com a cana.

— Espere aí, moço.

— Diga logo.

— Leve a cana, moço.

— Não quero cana.

— Leve a cana, moço.

— Só pagando.

— Não estou vendendo; leve a cana, moço.

— Então, muito obrigado, desculpe o mau jeito.

— Não há de que, moço.

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