Entreolhares – Crônica de Luis Fernando Veríssimo

Ana Maria levou seu namorado novo para os pais conhecerem. O rapaz era simpático e tudo correu bem, apesar da constante troca de olhares entre o pai e a mãe de Ana Maria, e o visível desconforto dos dois.

Quando o namorado foi embora, Ana Maria perguntou:

– E aí? O que acharam dele?

O pai e a mãe se entreolharam outra vez.

– Ele parece ser muito simpático… -, disse a mãe.

As reticências ficaram no ar.

– E você, papai. O que achou?

O pai hesitou. Depois disse:

– Gostei, gostei. Mas…

– Mas o que, papai?

– Aquela tornozeleira, minha filha…

– Tornozeleira?

– Aquilo que ele tem preso no tornozelo.

– Qual é o problema?

– A tornozeleira é para saberem sempre onde ele está. Para a polícia saber. Para ele não fugir, ou não praticar mais nenhum crime.

– O quê?!

– É, minha filha.

– Ele me disse que era um radinho de pilha!

A volta. Gustavo anunciou aos pais que estava se divorciando. Infelizmente, seu casamento com a Sueli não dera certo. Os dois tinham levado 20 anos para descobrir que não podiam viver juntos, e concordado em se divorciar. Separação amigável, civilizada. A Sueli ficaria com o apartamento.

– E você, onde vai ficar?

– Pensei em ficar aqui, até arranjar outra coisa.

O pai e a mãe do Gustavo se entreolharam.

– Aqui? Onde?

– No meu quarto, ora.

Mas o quarto do Gustavo não era mais o seu quarto. Agora era a sala da televisão.

– Pô, mamãe.

– Como nós íamos saber que você voltaria?

– Mas podiam pelo menos ter mantido meu quarto. Para a eventualidade!

Gustavo insistiu. Queria o seu quarto de volta. Como era antes.

– E o que a gente faz com o home theater?

– Ah, o home -theater é mais importante do que um filho?

– Não é isso, Ge…

Acabaram se acertando. O home theater iria para a sala de visitas e Gustavo teria seu quarto de volta. Mas sem os pôsteres dos Stones e da Luiza Brunet de biquíni, que tinham ido pro lixo.

E dias depois que se mudou para a casa dos pais, comendo um pudim igual aos da sua infância, que a mãe lhe fizera depois de muita insistência, Gustavo exigiu uma explicação:

– Que fim levou minha coleção de gibi?

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