O mecânico, os traficantes e o helicóptero da PM derrubado

Tião Mecânico voltava para sua casa no morro dos Macacos vindo de mais um dia de trabalho em sua oficina no Catumbi, o dia não tinha sido ruim, boa arrecadação e muitos motoristas inexperientes pagando sem bufar pela resolução de problemas simples, para um mecânico foi um dia bom.

Chegando ao Boulevard 28 de setembro ouviu muitos tiros vindo do morro dos Macacos, não esperou o ônibus fazer a curva da Parmê, desceu no Boulevard e entrou num bar para beber uma cerveja, ligar para a família e esperar o tiroteio passar porque a coisa parecia mais feia do que os dias normais de conflito. Pela TV do bar descobriu que o helicóptero da PM havia sido derrubado. Do bar ligou mais uma vez para a família que não atendeu os telefonemas.

A quantidade de polícia aumentou e o número de tiros foi diminuindo, para Tião que morava há 40 anos na comunidade e já estava habituado com o som dos tiros isto era tranquilidade, pagou as duas cervejas e seguiu a pé seu caminho, o macacão e seu próprio corpo sujos de graxa eram um passe livre pelos policiais que estavam muito nervosos, alguns se consolando pela morte dos companheiros.

Chegou em casa e estranhou que o vira-latas não viesse recebê-lo com a farra de sempre, imaginou que o bicho estivesse embaixo do tanque na área de serviço por medo dos tiros, acontecia a mesma coisa em relação ao foguetório do dia de São Jorge e no fim de ano.

Passou a chave na porta da frente preocupado em levar um bronca da mulher, pelo protocolo da casa ele deveria entrar pela porta dos fundos quando chegasse sujo do trabalho, mas estava com pressa, a falta de resposta aos telefonemas havia deixado-o ansioso e arriscou levar um pito da patroa.

Entrando na sala seu sangue gelou, quatro homens mantinham sua mulher e três filhos sentados no chão da sala, a mulher segurava a boca da mais nova para que ela não chorasse, eram os homens que haviam derrubado o helicóptero, estavam completamente alterados e todos na casa sabiam que se a polícia que estava com gosto de sangue na boca invadisse a casa poderia sobrar para todo mundo.

Os vagabundos explicaram a situação, matariam todo mundo na casa e morreriam se a polícia descobrisse o lugar e exigiram ajuda de Tião para se safar.

A agonia demorou por mais algumas horas, era necessário esperar que o cerco diminuísse e foi Tião que sugeriu uma solução, os traficantes deveriam sair um por um, desarmados e com roupas trocadas, quem não estava fantasiado de soldado do tráfico estava fantasiado de funkeiro. Uma hora da manhã o primeiro saiu com o macacão sujo que Tião havia usado o dia todo, deixou fuzil e joias. Hora depois saiu o segundo com roupa de “crente”, Tião perdeu calça, camisa social e a bíblia da casa. Mais um fuzil e joias cafonas ficaram na casa.

O terceiro e o quarto saíram com as mesmas fantasias, um macacão limpo de Tião foi sujo de graxa (o macacão e o traficante) e a última roupa decente de Tião foi usada de novo como fantasia de crente. Esta agonia durou até as quatro da manhã e a vagabundagem conseguiu passar pelo cerco policial.

O último a sair ameaçou Tião se ele denunciasse ou tentasse vender as armas e as joias que ficariam na casa, mas não havia jeito, as peças tinham de ficar lá, este último fez o terror que é peculiar a traficantes e foi embora tentar a sorte. Tião escondeu fuzis e joias atrás de um monte de peças velhas de carro em seu quintal e finalmente conseguiu abraçar sua família que estava em choque.

No dia seguinte um homem foi a casa para verificar se o material ainda estava lá mas não levou nada, estava calmo e avisou que viriam buscar. Dois dias depois um carro parou em sua porta, um dos bandidos veio buscar as peças, vendo que tudo estava em ordem ofereceu um maço de notas com cinco mil reais dizendo que era um agradecimento do patrão. Tião educadamente recusou, sabia que se aceitasse viraria empregado, não aceitando ganhou respeito.

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