O sabiá do almirante – Crônica de Stanislaw Ponte Preta

O almirante gostava muito de ir ao cinema na sessão de oito às dez. Era um Almirante reformado e muito respeitado na redondeza por ser bravo que só bode no escuro. Naquela noite, quando se preparava para ir pro cinema, a empregada veio correndo lá de dentro, apavorada:

— Patrão, tem um homem no quintal. Era ladrão. Pobre ladrãozinho. O Almirante pegou o 45, que tinha guardado na mesinha de cabeceira e saiu bufando para o quintal. Lá estava o mulato magricela, encolhido contra o muro, muito mais apavorado que a doméstica acima referida. O Almirante encurralou-o e deu o comando com sua voz retumbante:

— Se mexer leva bala, seu safado. O ladrão tratou de respirar mais menos, sempre na encolha. E o Almirante mandou brasa:

— Isto que está apontado para você é um 45. Seu eu atirar te faço um furo no peito, seu ordinário. Agora mexe aí para ver só se eu não te mando pro inferno. O ladrão estava com uma das mãos para trás e o Almirante desconfiou:

– Não tente puxar sua arma, que sua cabeça vai pelos ares.

– Não é arma não

— respondeu o ladrão com voz tímida:

— É o sabiá.

– Ah… um ladrão de passarinho, hem?

— vociferou o Almirante.

E, de fato, o Almirante tinha um sabiá que era o seu orgulho. Passarinho cantador estava ali. Elogiadíssimo pelos amigos e vizinhos. Era um gozo ouvir o bichinho quando dava seus recitais diários. Vendo que o outro era um covarde o Almirante resolveu humilhá-lo:

– Pois tu vais botar o sabiá na gaiola outra vez, vagabundo. Vai botar o sabiá lá, vai me pedir desculpas por tentar roubá-lo e depois vai me jurar por Deus que nunca mais passa pela porta da minha casa. Aliás, vai jurar que nunca mais passa por esta rua. Tá ouvindo?

O ladrão tava. Sempre de cabeça baixa e meio encolhido, recolocou o sabiá na gaiola. Jurou por Deus que nunca mais passava pela rua e até pelo bairro.

O Almirante enfiou-lhe o 45 nas costelas e obrigou-o a pedir desculpas a ele e à empregada. Depois ameaçou mais uma vez:

– Agora suma-se, mas lembre-se sempre que esta arma é 45. Eu explodo essa sua cabeça se o vir passando perto da minha casa outra vez. Cai fora. O ladrão não esperou segunda ordem. Pulou o muro como um raio e sumiu. O Almirante, satisfeito consigo mesmo, guardou a arma e foi pro cinema.

Quando voltou, o sabiá tinha desaparecido.

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