A Angústia das Savanas – Crônica de Luís Fernando Veríssimo

Uma das tantas teorias sobre o começo da civilização é a da angústia do pênis exposto. Quando os primeiros hominídeos desceram das árvores e foram viver na savana, uma das conseqüências de andarem eretos e terem que se espichar para pegar as frutas foi que seus órgãos sexuais ficaram expostos ao escrutínio público. Antes de darem às fêmeas, ou aos mulherídios, a chance de organizarem uma sociedade de acordo com a sua observação da novidade e determinarem que os mais potentes teriam o poder — o que inviabilizaria qualquer tipo de hierarquia baseada na inteligência e, principalmente, na antigüidade, além de decretar o fim da linhagem dos pintos pequenos, que nunca se reproduziriam —, os machos tomaram providências, começando por tapar suas vergonhas. A civilização começou pelas calças, ou o que quer que fosse a moda de tapa-sexos nas savanas. E tudo que veio depois — a linguagem, o fogo, a roda, a escrita, a agricultura, a indústria, a ciência, as nações, as guerras, todas as afirmações masculinas que independem do pinto — foi, de um jeito ou de outro, uma extensão das primeiras calças. Um disfarce, um estratagema do macho para roubar da fêmea o seu papel natural de guiar a espécie escolhendo o reprodutor que lhe serve pelas suas credenciais mais evidentes, e não pelas suas poses ou poemas. Toda a nossa cultura misógina vem do pavor da mulher que quer retomar seu poder pré-histórico e, não sendo nem prostituta nem nossa santa mãe, nos tirar as calças. Todo o nosso drama milenar foi resumido num pequeno auto admonitório: Yoko Ono seduzindo John Lennon e desfazendo uma idílica ordem fraternal, quase destruindo um mundo. E o que é a supervalorização da virgindade e a estigmatização civil do adultério, como constam na lei brasileira, senão uma tentativa de garantir que a mulher só descubra o tamanho do pênis do marido quando não pode fazer mais nada a respeito? Continuaríamos vivendo a angústia das savanas.

Independentemente das teorias, a virgindade é um tema para muitas divagações. Ninguém, que eu saiba, ainda examinou a fundo, sem trocadilho, todas as implicações do hímen, inclusive filosóficas. Já vi o hímen — que, salvo grossa desinformação anatômica, não tem qualquer outra função biológica a não ser a de lacre — descrito como a prova de que o Universo é moralista. E, levando-se em conta a dor do defloramento e mais as agruras da ovulação e do parto em comparação com a vida sexual fácil e impune do homem, também é misógino. Mas em comparação com o que a mulher, historicamente, sofreu num mundo dominado por homens e seus terrores, o que ela sofre com a Natureza é pinto. Com trocadilho.

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