A Apaixonada Elena – Conto de Alcântara Machado

By | 21/03/2022

– Quem é que me leva hoje no Literário? Ficou esperando a resposta.

Dona Maria da Glória fazia uns desenhos na toalha com a ponta do garfo. Achando muita graça na história do Dico. Esses meninos. Mas o melhor ainda não tinha sido contado: a negra perdeu a paciência e meteu a mão na cara do gerente. A rapaziada por pândega fez uma subscrição e deu uns dois mil e tanto para a negra. E a polícia? Que polícia? Negra decidida está ali.

– Quem é que me leva hoje no Literário, mamãe? Ficou esperando a resposta.

Dona Maria da Glória falou:

– Vamos para outra sala que aqui está calor demais. Dico pôs no Panatrope o Franckie and Johnny. E diante do aparelho ensaiava uns passos complicados. Pé direi- to atrás. Batida de calcanhares. Saiu andando que nem cavalo de circo.

Elena sentou-se, abriu a revista diante do rosto, pôs uma perna em cima da outra.

– Tenha modos, menina!

Suspirou, descruzou as pernas. Dico foi se chegando.

Deu um tabefe na revista, fugiu de banda deslizando.

– Chorando! Que é que ela tem, mamãe?

– Sei lá. Bobagens. Pare com essa dança que me estraga o encerado.

Elena levantou-se e as lágrimas caíram.

– Onde é que vai? Sente-se aí!

Dico parou a música. Foi ficar diante da irmã de beiço caído.

– As lágrimas da mártir.

Dona Maria mandou que o Dico ficasse quieto, não amolasse nem fosse moleque. E mandou Elena enxugar as lágrimas que já estavam incomodando. Dico jogou o lenço no colo da irmã. Elena jogou o lenço no chão por desaforo. Enxugou com a gola da blusa.

– Sou mesmo uma mártir, pronto!

Os olhares da mãe e do irmão encontraram-se bem em cima do vaso de flores de vidro. Despediram-se e se foram encontrar de novo nos olhos molhados da mártir Elena. O doutor Zósimo veio lá de dentro escovando os dentes.

Sacudiu a cabeça para a mulher? Que é que há? A mulher esticou o queixo e abriu os braços: Não sei não!

– Malvados! Não querem me levar no Literário!

– Quem é que não quer?

– Vocês!

Então o doutor Zósimo voltou lá para dentro babando espuma. O Dico pegou o chapéu, beijou o rosto da mãe, curvou-se diante da irmã, fez umas piruetas e saiu cantando o Pinião. Dona Maria da Glória tirou o cachorro do colo. Depois deu uma mirada vaga assim em torno. Depois penteou o cabelo com os dedos. Finalmente bocejou e disse:

– Não seja boba, menina! E foi embora.

O ruído da rua. O sol entrando pela porta aberta que dava para o terraço. Batiam pratos na copa. O cachorro latindo para o doutor Zósimo. Esta mesa seria mais bonita se fosse mais baixa.

Elena espreguiçou-se e pôs no Panatrope um disco bem chorado dos Turunas da Mauriceia.

– Que vestido eu visto, mamãe?

– O azul.

Foi. Demorou um pouco. Voltou.

– Está todo amassado, mamãe.

– Então o verde.

– Com aqueles babados? E repetiu:

– Com aqueles babados indecentes? E tornou a repetir:

– Com aqueles babados indecentes, horrorosos, imorais?

Dona Maria da Glória estava na página dos anúncios.

– Em que vapor partiu a Dulce mesmo?

– Como é que a senhora quer que eu me lembre?

– Não seja insolente!

Fechou-se no quarto. Cinco minutos se tanto. Abriu a porta. Disse da porta:

– Eu vou pôr o novo futurista.

– Ponha o verde já disse!

– Oh, desgraça, meu Deus!

Se o Zósimo continuasse a não fazer caso ela como mãe estava decidida: curaria aquele nervosismo a chinelo.

A toda hora olhava o ponteiro dos minutos. Já que- rendo ir embora. Vinte para as oito. Às oito acaba com o hino nacional. No fundo dança não passa de uma sem-vergonhice muito grande. A gente conta na certa com uma coisa: vai a coisa não acontece. As primas não paravam sentadas. Há moças que tiram seus pares de longe: é um jeito de olhar.

Voltar para casa, ler na cama a revista de Hollywood, procurar dormir. Com aquele calorão. E amanhã bem cedo: dentista. A vida é pau. Dez para as oito.

Dez para as oito Firmianinho apareceu. Começou a inspeção pelo lado esquerdo. Foi indo. No canto direito parou. Veio vindo. Chegou. Enfim chegou.

– Boa noite.

– Boa noite.

Tanta aflição antes e agora este silêncio. Dançavam empurrados. Não valeu de nada ter preparado a conversa. Tinha uma pergunta para fazer. Não era bem uma pergunta. Endireitando o busto parecia que se dominava. Felizmente repetiram o maxixe.

– Sabe que comprei um Reo?

– Bonitinho?

– Assim assim. Dezoito contos.

Para que dizer o preço? Matou a conversa no princí- pio. Não tendo coragem de ver precisava perguntar. Então imaginava um modo, imaginava outro cada vez mais nervosa. E dançavam. O maxixe está com jeito de estar acabando. Perguntava agora. Daqui a pouco. No finzinho. Não perguntaria: olharia e pronto. O hino nacional con- tinuou o maxixe.

– Tirou as costeletinhas?

– Ainda não viu? Ora que resposta.

Quando pararam junto das primas dele ele virou bem o rosto de propósito. Tirou sim. Agora sim. Isso sim.

Despediram-se com muita alegria.

Chegou em casa foi direitinho para o quarto. Tirou o chapéu em frente do espelho. Guardou a bolsa. Ia tirar o vestido de bordados indecentes, horrorosos, imorais. Mas se jogou na cama com os olhos cheios de lágrimas.

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