A catástrofe – Crônica de Nelson Rodrigues

Um dia, Penteado entra em casa e encontra Clélia com febre. Pediu o termômetro emprestado no vizinho. Findos os três minutos, ergue o termômetro e verifica a temperatura: quarenta graus! Quase caiu para trás. No seu pânico, quis telefonar para a Assistência. Chamaram-no à razão:

– Assistência pra febre? Sossega, Penteado, toma jeito! Não faltou quem o confortasse, dizendo:

– Algum resfriado besta!

Durante dez dias fez-se o diabo. Clélia tomou tudo quanto foi remédio; injeção, soro, transfusão de sangue e até tenda de oxigênio. Penteado, que ganhava 18 mil cruzeiros mensais, gastou como um Rotschild. Quando soube do preço da tenda de oxigênio, estava no auge de sua dor, incrustou, entre os seus gemidos, um protesto:

– Que exploração!

E continuou a chorar. No drama de Clélia, havia uma coisa que o punha fora de si: o delírio. Arremessava-se, então, para fora do quarto; esbarrava nos móveis; trancava-se na privada e soluçava como uma criança. Na verdade, o delírio da doente era algo de aterrador.

Clélia dizia tudo quanto era absurdo, inclusive coisas de escandalosa inconveniência, até nomes feios. Precisavam quase amordaçá-la. Um dia, um médico de emergência, chamado às carreiras, esteve no quarto, com a doente, examinando-a. Apareceu na porta e convocou Penteado:

– O senhor quer vir aqui um instantinho, Seu Euzébio? Penteado sobressaltou-se:

– Euzébio?

Instintivamente, olhou em torno, à procura de um possível Euzébio. No momento, porém, só ele estava na sala; tratava-se, portanto, de sua pessoa. Veio, atônito, ao encontro do médico. Este insistiu:

– Olha, aqui, Seu Euzébio… Retificou:

– Alberto. Alberto Penteado. Espanto do médico:

– Como? Não é Euzébio?… Mas ela só fala em Euzébio… Quer dizer que…

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