Como a onça estivesse para casar-se, os animais todos andavam aos pulos, radiantes, com olho na festa prometida. Só uma velha rã sabidona torcia o nariz àquilo.
O marreco observou-lhe o trejeito e disse:
— Grande enjoada! Que cara feia é essa, quando todos nós pinoteamos alegres no antegozo do festão?
— Por um motivo muito simples — respondeu a rã. Porque nós, como vivemos quietas, a filosofar, sabemos muito da vida e enxergamos mais longe do que vocês. Responda-me a isto: se o sol se casasse e em vez de torrar o mundo sozinho o fizesse ajudado por dona sol e por mais vários sóis filhotes? Que aconteceria?
— Secavam-se todas as águas, está claro.
— Isto mesmo. Secavam-se as águas e nós, rãs e peixes, levaríamos a breca. Pois calamidade semelhante vai cair sobre vocês. Casa-se a onça, e já de começo será ela e mais o marido a perseguirem os animais. Depois aparecem as oncinhas — e os animais terão que agüentar com a fome de toda a família. Ora, se um só apetite já nos faz tanto mal, que será quando forem três, quatro e cinco?
O marreco refletiu e concordou:
— É isso mesmo…
Moral:
Pior que um inimigo, dois; pior que dois, três
A Astúcia do cachorro
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
No tempo que os animais falavam, conta uma lenda que um cachorro estava no meio da floresta, se banqueteando com restos de ossos quando atrás dele, uma onça faminta, de garfinho, faca e guardanapo no pescoço se preparou para dar o bote. Pressentindo que viraria almoço, o coitado, mais que depressa, pensou rapidamente numa saída. Assim, sem se mover gritou o mais alto que pode:
– HUMM!… QUE ONÇA DELICIOSA ACABEI DE DEVORAR…
Ouvindo essas palavras, a onça se assustou. Ato contínuo abortou o pulo pretendido, deu meia volta e saiu correndo, só parando quilômetros depois, exausta, e à beira de um riacho de águas cristalinas:
– Escapei por pouco, daquele cachorro!…
Entretanto, do alto de um pé de jequitiba um sem vergonha de um macaco assanhado assistiu a tudo. Dando uma de fofoqueiro, correu a contar sobre o golpe do cachorro:
– Então é isso?
– Sem tirar nem por…
– Pois ele me paga!… Venha atrás de mim e veja o que faço com quem tenta me passar a perna.
Fula da vida e babando de raiva, a onça mais que depressa empreendeu o regresso ao local levando o primata a tiracolo. Como se esperasse pelo retorno da inimiga, o cachorro, sem pensar duas vezes e, vendo a difícil situação em que se achava metido, não perdeu a esportiva e jogou a última carta que lhe restava ao alcance das patas. Ou salvava a pele, ou virava, de uma vez, o prato principal da furiosa ferina, aliás, de presas afiadas, e com o sangue a aflorar a pele pintada. Sem se mexer, e ao menos esboçar medo mórbido que sentia para o casal que estancou a poucos passos de seu rabo, (podia até sentir o hálito quente dos dois) berrou com todas as forças que conseguiu reunir no fundo da garganta:
– CADÊ AQUELE MALDITO MACACO? JÁ FAZ MAIS DE MEIA HORA QUE MANDEI O SAFADO BUSCAR OUTRA ONÇA E ATÉ AGORA, NEM SINAL DO DESGRAÇADO. VOU SAIR À CATA DELE, AGORA!!!
Ouvindo essas palavras, o macaco que seguia a onça tratou de dar o fora trepando na primeira árvore que avistou pela frente. Na subida esqueceu algumas bananas que roubara para o almoço.
A onça, sem ação, fez o mesmo. Empreendeu meia volta às pressas e se embrenhou na mata virgem, deixando o cachorro às voltas com um largo sorriso de satisfação entre os dentes.
MORAL DA HISTORIA. Às vezes mais vale um pensamento rápido que a fome de mil onças.
(*) Escritor.