Caixa-preta – Crônica de Moacyr Scliar

“Deputado quer abrir caixa-preta de planos
– Entidades de previdência privada, aberta e fechada, terão de explicar suas contas à Câmara Federal.” Folhainvest, 1º mar. 1999

Aprovada, depois de muita discussão, a matéria, foi finalmente marcada a data para a abertura da tão conhecida, e temida, caixa-preta. Considerando que o auditório da Câmara seria pequeno para o maciço comparecimento que se esperava, decidiu-se realizar o evento num local especial. Para isso, uma gigantesca tenda foi armada na Esplanada dos Ministérios. Já às primeiras horas do grande dia, uma multidão lá se concentrava. A expectativa era enorme.

Pela primeira vez, na história do país, uma caixa-preta seria aberta – e diante dos cidadãos, o que era ainda mais inusitado.

Os minutos se passavam, e nada acontecia, o que suscitou nervosismo: seriam as esperanças frustradas? Teriam os donos da caixa-preta conseguido, mediante medida judicial ou por um golpe qualquer, suspender a medida? Um murmúrio de revolta já começava a se ouvir, mas então soou um clarim, e quatro homens adentraram o recinto, carregando a famosa caixa-preta. Que era grande – um cubo de cerca de um metro de aresta –, pintada num preto fosco, discreto, mas sinistro.

A caixa-preta foi colocada sobre a mesa. Uma senhora aposentada foi convidada a retirar a tampa. Depois de muito trabalho – aquilo era coisa para especialista –, ela conseguiu fazê-lo. Os homens retiraram, então, o conteúdo e o expuseram ao público.

Outra caixa-preta. Dentro da caixa-preta havia uma outra caixa-preta.

A decepção foi grande. O coordenador dos trabalhos convidou outra pessoa, desta vez um senhor, a abrir a segunda caixa-preta.

Mais uma caixa-preta. Era assim; como aquelas bonecas russas, cada caixa-preta continha uma nova caixa-preta. A angústia aumentava, assim como os gritos de “palhaçada, palhaçada”. Mas, então, chegou-se a uma 15a caixa-preta, esta com 20 centímetros. Um ancião a abriu – e soou então uma exclamação deslumbrada.

Era uma caixa branca.

Agora, sim, diziam todos, agora chegamos ao fim do processo, agora vamos descobrir a verdade. Em meio à alegria geral, uma menina foi convidada a abrir a caixa branca. Foi o que ela fez, com dedos trêmulos. Todos se precipitaram para ver o que havia dentro.

Era uma caixa-preta.

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