Casamento com o destino – Crônica de Moacyr Scliar

“Mulher casa-se consigo mesma.”
Mundo, 18 jun.1998

Decidida a se casar consigo mesma, ela optou por transformar o fato não apenas numa festa, mas numa celebração: a celebração da individualidade triunfante. Não preciso de ninguém para ser feliz, era a mensagem que queria transmitir, mas sem rancor, sem ressentimentos; ao contrário, partilharia com muitos amigos essa felicidade enfim descoberta.

Para isso, organizou cuidadosamente a cerimônia. Havia um convite para o casamento em que, naturalmente, figurava apenas o seu nome; havia a cerimônia propriamente dita, que contaria com o apoio de um juiz de paz heterodoxo; e finalmente havia a grande recepção, para mais de duzentas pessoas. Entre elas, um convidado especial: o ex-noivo.

Durante quatro anos haviam acalentado o projeto de viver juntos. E então, subitamente, ele desistira. Não nasci para viver com outra pessoa, ele lhe havia confessado. Num primeiro momento, ela se desesperara: mas como, depois de um noivado tão longo, você me diz uma coisa dessas? Depois, compreendera e aceitara. E pretendia até que o seu casamento servisse de modelo para ele e outros solitários: o matrimônio individualizado se transformaria numa instituição do nosso tempo.

E aí veio o dia do casamento, e lá estavam todos os convidados, alguns espantados, mas todos alegres, o ex-noivo e o juiz de paz. Diante desse homem, ela compareceu, vestida de branco, com véu e grinalda, pronta para o momento decisivo.

Aí, algo aconteceu. Quando o homem lhe perguntou, tal como previsto, “Aceita esta mulher como sua legítima esposa?”, a resposta que ela deu, numa voz rouca, uma voz que não era a sua, foi um rotundo “Não”.

Ela ainda está perturbada com o que aconteceu. Não sabe por que disse não. E, sobretudo, não sabe que estranha voz foi aquela. Enquanto não tiver respostas para estas perguntas, não descansará. Pior: continuará solteira.

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