Culpa! Culpa! Culpa! Sempre a palavra culpa. Faz parte dos genes do ser humano. Somos, todos, semoventes tristes, perseguidos por culpas reais, irreais, fantásticas, conscientes, inconscientes, verdadeiras, falsas, impostas pelos outros. Culpa! Culpa! Todos se culpam ou culpam aos demais. Culpar-se ou culpar alguém, ou aos demais, eis uma preferência mundial…
Culpa, ó trágico engano de não se sabe que ancestral! Chama-se de culpa o que as vezes é causa. Fulano não é o culpado de tal ato. Fulano foi a causa de tal ato. Troque culpa por causa e verá o mundo melhor. Causa não é culpa. Chama-se de culpado quem às vezes é, tão somente, o responsável por algo. Responsável, sim, não culpado! Culpa é algo maior e mais terrível, por isso é raro. Culpar não é tarefa dos homens. Cabe aos deuses.
E por causa da troca de palavras (causa por culpa) sem consciência de que se está trocando conceitos seriíssimos, pessoas passam pelo mundo atormentadas pela culpa. O mundo nada mais é que um grande tanque cheio de culpados imaginários e reais, seres a quem foi ensinado sentirem-se culpados, onde deveriam apenas sentir-se (quando muito) causadores ou responsáveis.
Culpa é raro e sério demais para ser vulgarizada assim. É culpado quem mata. Não é culpado quem ama, mesmo se ama errado. É culpado quem ofende. Não é culpado quem defende. Não tem culpa quem não pode fazer mais do que faz ou, quem foi relegado a miséria, a ignorância, nem quem tenta e não consegue. Não é culpado quem fracassa. Não é culpado nem o que erra. Culpa é assunto dos deuses.
Por que infernizar a vida dos filhos, amigos e cidadãos dessa república de sonhos que é a vida, com a idéia torpe de uma culpa geral, abissal, precedente, mortificadora? Por que a mania de buscar culpados para exorcizar os próprios medos? Por uma falsa idéia de culpa mataram o Cristo. E todos os mártires e avatares.
Não somos culpados: somos vítimas, cheias de esperança e medo. Somos, apenas, uma espécie rara de pessoas que mal se agüentam consigo mesmas, por isso vivem à cata de culpas.
Que nasça a responsabilidade maior de cada ser humano no lugar da culpa! Culpa é um legado doloroso de alguma angústia ancestral, alguma dor existencial ou doença muito séria, alguma imperfeição de nossa formação biológica, que é preciso arquivar.