Certificado de velhice – Conto de Ivan Lessa

Se no Reino Unido você disser CV, todo mundo sabe que está se referindo ao seu “curriculum vitae”, ou seja, sua folha corrida em matéria de trabalho.

Mas há outro CV, com mais folha e mais corrido.

É o CV de Certificado de Velhice.

CV que também podem ser as iniciais de Carteira de Velhinho.

Completou 60 anos, e a senhora ou senhorita têm direito a passar nos correios e pegar uma.

Já os homens, são obrigados a esperar mais 5 anos: só aos 65 é que pegam o documento.

A igualdade entre os sexos, ao que parece, ainda não chegou aos sessentões.

Está errado. Mas vamos ao senhor, ao cavalheiro — ou mesmo cavaleiro — que completou 65 anos.

Ele pega uma conta qualquer que tenha seu nome e endereço, a conta de gás, por exemplo.

Pega um documento qualquer que o identifique, carteira de motorista serve, já que no Reino Unido ainda não há carteira de identidade obrigatória.

Pega duas fotos 3 por 4 e vai na agência de correios mais próxima do bairro.

Entra na fila, é atendido poucos minutos depois, preenche um formulário e, num piscar de olhos (como dizem os mais velhos), pronto, eis aí a carteira de velhinho, o certificado de velhice, válido por ao menos pelos próximos dois anos.

A carteirinha é de plástico vermelho, tem uns 5 por 6 centímetros, de um lado fica um cartão com uma fita magnetizada, do outro um com a foto do cidadão.

O cartão com a fita magnetizada é do exato tamanho da passagem de metrô.

Com ele, o velhinho de 65 anos pode andar de graça de segunda a sexta no metrô e no ônibus depois de nove e meia da manhã.

Tem considerável desconto em viagem de trem para qualquer parte do país.

Idem nos cinemas, teatros e museus. Acho que, numa confusão, serve como documento de identificação.
Frise-se que na carteirinha não está escrito Certificado de Velhice ou de Velhinho.

Usam um eufemismo meio pomposo: “Freedom Pass”. Passe da liberdade. Parecendo coisa da guerra fria.

Quem paga por ele é o distrito eleitoral, ou bairro, onde mora a figura em questão.

Por figura em questão, entenda-se: — eu.

Peguei meu CV na quinta-feira, dia 11 de maio.

Achei que ia ser mais chato. Não é, não.

De uma certa forma, é mais uma gentileza deles, os ingleses, para comigo.

Espero poder retribuir, espero que não seja a última.

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