O professor Sílvio Rabelo é, além de escritor, crítico literário, autor de excelentes estudos biográficos — Farias Brito, Silvio Romero, Euclides da Cunha — psicólogo que durante anos foi mestre dessa especialidade na Escola Normal, depois Instituto de Educação, do Recife. Mestre e pesquisador. Dele são vários trabalhos que o recomendam à atenção e ao apreço dos estudiosos de problemas de psicologia.
Nunca, porém, revelou, em qualquer desses trabalhos, duas de suas experiências, uma de menino, ainda no interior de Pernambuco, outra de adolescente, já no Recife — o Recife do começo deste século — que marcam seu contacto pessoal com fenômenos dos chamados supranormais, por uns, sobrenaturais, por outros.
Menino, saiu uma vez de casa para a balança de algodão — isto na área algodoeira do Nordeste — chamando em voz alta por um empregado: “Fulano, Fulano, Fulano!” Nada, porém, de encontrar o procurado. Entretanto, ao passar correndo, pela enorme balança, viu nitidamente sobre ela — era pouco mais de meio-dia — enorme figura de preto. Quando se voltou, para fixá-la melhor, não viu figura alguma, nem de preto nem de ninguém. Arrepiou-se. Sentiu um frio inconfundível de medo. Nem gritar conseguiu.
Já adolescente, participou, com outras pessoas de sua família, de um fenômeno sobrenormal, interessantíssimo por ter sido coletivo. Estava a família quase toda na sala de jantar, a mãe lendo, o pai e os irmãos conversando. Na sala da frente, apenas a irmã mais velha do futuro psicólogo, à janela, conversando com o namorado: rapaz com quem viria a casar-se. Casa típica do Recife de então. Sala da frente, também: com sua mobília de receber visitas, seus consolos e sobre um dos consolos, duas grandes e belas serpentinas de cristal que eram, depois das filhas, as meninas-dos-olhos da dona da casa, senhora aliás erudita e de boas leituras.
Noite. Noite recifense de subúrbio. Noite de um doce silêncio quebrado apenas por vozes distantes. Uma delas, a do sorveteiro anunciando o sorvete do dia: “Sorvete de maracujáaa!”
De repente, a família reunida na sala de jantar é alarmada pelo estrondo das duas serpentinas a se espatifarem sobre o piso. Correm todos à sala da frente. Encontram a moça assombrada diante das serpentinas: também ela ouvira o ruído dos cristais a se despedaçarem, como se tivessem caído sobre o piso. Mas as serpentinas se achavam intactas. Absolutamente intactas. Fixas no seu lugar.
No dia seguinte, o que se soube? Que à hora exata da ocorrência do fenômeno estranhíssimo, falecera a melhor amiga da irmã mais velha de Sílvio Rabelo. Experiência de que o psicólogo não se esqueceria nunca depois de já psicólogo científico, de homem objetivo de ciência, de intelectual notável pelo rigor analítico das suas pesquisas. Compreende-se que, como psicólogo, tenha tido sempre, e continue a ter hoje, um especial apreço por William James.