Fatos e lendas – Artigo de Luis Fernando Veríssimo

By | 21/11/2013

No dia 22 de novembro de 1963, a Lucia e eu éramos as únicas pessoas felizes numa certa rua de Copacabana. Todas as outras (está bem, imagino que quase todas as outras) estavam no mínimo preocupadas com o que tinham acabado de saber, a notícia da morte do presidente Kennedy em Dallas. Pobre do presidente Kennedy. Tão moço, tão simpático, com uma família tão bonita. O que significava aquela morte? O que viria depois daquilo? Era um golpe? Não era um golpe? Que país maluco! A Lucia e eu tínhamos acabado de ficar noivos. É, naquela época se noivava. Já estávamos com as alianças, compradas numa joalheria da Santa Clara, e fomos tomar uma Coca-Cola no “Cirandinha” para comemorar. Felizes da vida.

Depois, ficou difícil não se emocionar com a imagens que viriam. O enterro, o garoto fazendo continência para a esquife do pai, as caras desoladas na multidão, todas as esperanças da nação no jovem e dinâmico presidente abatidas por um assassino – ou mais, até hoje se discute quantos. Nos anos que se seguiram, a emoção e a memória daqueles dias alimentaram o mito. Mas, ao contrário do que costuma acontecer com os mitos, o do Kennedy foi perdendo o lustre com o tempo. Livros sobre “o verdadeiro” Kennedy se tornaram tão comuns quanto teorias conspiratórias sobre a verdadeira história do seu assassinato.

Kennedy devia sua presidência ao dinheiro e ao poder do seu pai, que tinha ligações notórias com o submundo do crime organizado. Seus atos heroicos na guerra e sua experiência diplomática eram forjados. Ele e Jacqueline formavam um par perfeito, pelo menos visualmente, mas ele a enganava desde o começo do casamento. Ele não tinha feito tanto pelos direitos civis dos negros quanto dizia o mito. Se iria ou não retirar as tropas americanas do Vietnã se não tivesse sido assassinato, é debatível. Até sua atitude firme na crise dos mísseis russos em Cuba, segundo muitos o seu melhor momento, é criticada pelo novo revisionismo. Ele teria cedido mais do que o necessário aos russos.

Como é mesmo aquela frase do filme do John Ford? Quando os fatos desmentem a lenda, publique-se a lenda. Lyndon Johnson, que substituiu Kennedy, foi mais radical do que ele nas questões dos direitos civis e de programas sociais. Mas sofreu com a comparação, não com os fatos do governo Kennedy, mas com o mito, com a lenda do que poderia ter sido. E nenhuma revisão ainda conseguiu acabar totalmente com a lenda.

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5 thoughts on “Fatos e lendas – Artigo de Luis Fernando Veríssimo

  1. juliana prado

    Fama de mulher que dá, de homem valente e de louco nunca acabam. Todos os bandidos mereceriam um minuto de silêncio porque o Mundo nunca teve respaldo para ele. Não passava de uma gaiola das loucas. Nas suas escolhas a experiência humana é humilhante. Nem mineiros com toda a sua desconfiança deixaria de acreditar em lendas. Não haveria tratados nem ciências com luzes suficientes para merecerem a terra. Sugeria que os grupos se autodesintegravam dando passagem a novos conceitos e novas estruturas. No campo do amor então, mais realistas ficavam as periguetes. As performances tinham duração na divulgação como o sabonete bem antigo vale quanto pesa. Havia dois caminhos na terra. O da mentira e o de sofrido idealismo. Ambos numa ironia matemática iludiam e conspiravam com inexorável avidez contra seus donos. Espertezas e lisuras foram portas abertas para cegar ainda mais o fatalismo do impasse humano. Tornava-os exculpados pelos resultados. Na megera das condutas até podia confluir algum conforto como a paz. Debalde. Ferozes animais desafiariam a mais inimaginável santidade. Mas ele insistia com a sua desiludida família que ainda colocaria as cicatrizes em dia. Naquele lar não havia promessas loucas mas desconfianças se a cegonha tinha sido responsável por aquele gente da cidade tão espúria e maligna. Muito atento, pôde descobrir após sair do leito da morte que causas fortuitas seriam poucas na terra. Enveredou-se pelo caminho da vingança contra médicos, autoridades ilegais, boquiabertos de plantão, aceitando o próprio desafio, ora beirando a morte ora a loucura. Nessas alturas já havia estudado bastante as ciências, em pertinentes temas, e se tornava vital atravessar portais de plumas, construídos longinquamente pelos mais célebres mentirosos, estadistas, governos, vias sacras. Em alguns dias parecia desbotado, nunca de trajes de gala, e Dom Quixote e ele pareciam se entender perfeitamente. Não quis lendas, pois já havia desmistificado todos, de pais à turminha de mestres e só silenciava em ocasiões de amarga ignorância, quando tal qual o gênio inventivo Edson, procurava a rápida oxigenação e limpeza do cérebro.

    Em *A Vingança

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