Judeus e a intolerância – Artigo de Sócrates Nolasco

Em épocas distintas, encontramos episódios de perseguição e extermínio de judeus. A justificava para isto varia, mas atualiza-se em torno do desconforto gerado pela precariedade com que cada sociedade lida com seu próprio imaginário. A estratégia para expurgação do mal tem sido usar terceiros para depositar sobre eles o que corrói uma sociedade. “Conhece-te a ti mesmo.” Assim, Delfos lembrava ao visitante que aquele que não se sabe será vivido por más escolhas. Para suportar este desatino, culpabilizam-se terceiros.

No que tange aos judeus, observo que a demonização dos mesmos está associada a um projeto de poder vinculado a sociedades que atravessam dificuldades sociais e precisam tirar de si a responsabilidade por isto. São sociedades que desconhecem e não entendem suas contradições. O nazismo, o extermínio do judaísmo em Portugal e Espanha e o pensamento da esquerda brasileira em relação a Israel demonizam judeus. No mundo de hoje, existem mais de dez conflitos armados, mas, para a esquerda, é como se apenas este tivesse importância. Por quê?

Uma sociedade atenua a insatisfação que a população tem em relação a ela quando demoniza um terceiro. O demônio é o responsável pelo malogro social, sobre o qual um governo messiânico se erguerá para combater o mal. Foi o que aconteceu no reinado de Dom Manuel I, que, além de perseguir judeus, decretou o fim da tolerância religiosa (1496-1497) e fez crescer a Inquisição (Tomás de Torquemada). Espanha e Portugal são países onde ocorreu a maior barbárie da Idade Média. A presença de judeus em Portugal remonta ao século VI. Isso quer dizer que eles viviam lá antes da existência do Estado português. Na época de Dom Manoel I, a ideia era exterminar o judaísmo para que o messianismo cristão pudesse prosperar. E isto foi feito: expulsão e conversão forçada. Carlyle disse que a pólvora, a imprensa e a religião protestante são os três elementos mais importantes da civilização moderna.

O Brasil vem reforçando este racismo secular. Como seria politicamente incorreto declarar-se antissemita, fez-se politicamente correto ser contra o Estado judeu. A esquerda, quando fracassa em seus ideais, alicia causas-delito para manter vivo seu projeto de poder. Se a questão palestina dependesse exclusivamente de israelenses e palestinos, teria mais chances de ser resolvida. Mas não é assim que pensa o português Boaventura de Sousa Santos. Ele parte de um reducionismo tendencioso sobre sionismo para defender a ideia de que Israel deveria ser extinto porque supostamente há no mundo um entendimento para isto. Possivelmente, o mesmo entendimento que Portugal e Espanha tiveram para queimar judeus na fogueira. Boaventura se sente muito à vontade para falar da extinção do Estado judeu, como sentiram seus patrícios nos séculos XV a XVIII. As ideias de Boaventura têm origem na Península Ibérica do século XV e foram incorporadas pela esquerda brasileira que, diga-se de passagem, não gosta de judeus.

Sócrates Nolasco é psicólogo e professor da UFRJ

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