De Carlos Porto Carrero dizem os homens do seu tempo que preferia nas conversas falar de Atenas. De assuntos eruditos e finos. Mas contava às vezes aos amigos histórias do Recife antigo. Contava-as com o brilho literário que fazia de suas mais simples palestras lições do mais belo português falado. Essas suas lições elegantes tanto se alongavam em lições de história natural como em incursões pela história sobrenatural. Há quem diga até daquele bom letrado e sábio gramático que se deliciava em fantasiar a história natural, de sobrenatural. Reação justa de romântico numa época em que os naturalistas se extremavam em esconder o sobrenatural na história humana com o pudor felino de quem escondesse nauseabundo subnatural, satisfazendo todo seu apetite de romance com a figura do pitecantropo ereto. O pitecantropo ereto: essa cabra cabriola de sábios, esse cresce-e-míngua de doutores dos fins dos séculos XIX e dos começos do XX.
Foi de Carlos Porto Carrero que um recifense, hoje de idade provecta, mas de inteligência ainda moça, ouviu esta história sobrenatural que teria ocorrido no Recife dos primeiros anos do século XIX. O Recife colonial do tempo do governador português Luís do Rego. Luís do Rego Barreto sabe-se que foi homem duro, severo no seu modo, metropolitano ou português, de ser justo. Modo então em conflito com o modo brasileiro de ser livre.
O que não se discute é o caráter do homem. Podia ser Luís do Rego cru mas era honesto. Podia ser exagerado na sua maneira de ser homem de governo em tempo de inquietação mas era ele próprio bravo.
Pois desse homem desassombrado é que Carlos Porto Carrero contava que se assombrara em Pernambuco, não com a fúria de leão dos pernambucanos daquele tempo, que lhe marcaram com um tiro a carne ilustre, mas com o fantasma de uma mulher fatídica que viu certa vez num sobrado misterioso do Recife. E que lhe teria marcado de estranho terror, não a carne, mas o espírito forte.
Falara-lhe alguém do sobrado misterioso. Contara-lhe que nele aparecia um fantasma de mulher: mas só ao homem a quem estivesse para acontecer desgraça ou infelicidade. Luís do Rego quis ver o sobrado, certo, é claro, de que a tal aparição era lenda de gente colonial. Só por curiosidade de homem de espírito forte.
Mas chegados ao sobrado, Luís do Rego e dois amigos, diz a história contada por Porto Carrero que não tardou a aparecer o fantasma da tal mulher. Mas só ao general português. Só a Luís do Rego. O bravo capitão-general assombrou-se. “Olhem a mulher! Olhem a mulher!” gritava com voz de comando. Mas nenhum dos dois companheiros conseguia ver mulher alguma. Só os olhos de Luís do Rego enxergavam o fantasma. Sinal de desgraça próxima. Dizem intérpretes da história contada por Porto Carrero que aviso de assassinato: o assassinato do bravo capitão-general tentado por patriotas pernambucanos.