Quando as duas moças subiram, para dormir, eram quase 11 horas. O pai, fumando de piteira, ainda ouviu o jornal falado. Findo este, convocou a mulher:
– Vem cá, Rosinha, vem cá.
A mulher veio, bocejando. E ele:
– Senta aí. Vamos bater um papinho.
Colocou outro cigarro na piteira, sem pressa. Riscou o fósforo, tragou e expeliu a fumaça. Novo bocejo de d. Rosinha. Dr. Maciel inclinou-se; baixou a voz:
– Como é esse negócio?
– Que negócio? E o marido:
– Desse rapaz. Maurício frequenta nossa casa há quantos meses, mais ou menos?
– Seis.
– Pois é. Seis meses. E, até agora, nem eu, nem você sabemos a quem ele prefere, se Dorinha, se Elena. Como é isso? Não está direito!
– Paciência. Protestou:
– Alto lá! Paciência, uma ova! Você se esquece que está em jogo a felicidade de nossas filhas? Maurício trata as duas da mesma maneira. E se ambas gostarem dele? Já imaginaste o angu de caroço, o bode?
Pela primeira vez, d. Rosinha, que era curta de ideias, considerou a hipótese.
Alarmou-se:
– É mesmo!
Dr. Maciel andava de um lado para outro, preocupadíssimo. Exagerava:
– Eu já estou vendo minhas filhas se devorando por causa do mesmo homem!
Deus me livre!
As duas irmãs
Nem dr. Maciel, nem d. Rosinha dormiram direito nessa noite. Quanto a d. Rosinha, acresce que, além das apreensões maternais, teve de resolver o problema das pulgas, que se mostravam particularmente ferozes. Por fim, Dr. Maciel decidiu: “Amanhã eu vou falar com esse cara.” E de fato, no dia seguinte, ligou, à tarde, para o emprego de Maurício e o requisitou: “Passa por aqui, já.” Dez minutos depois, encontravam-se. Dr. Maciel foi objetivo:
– Você está, todos os dias, em minha casa. Isso nos dá muito prazer, claro. Ao mesmo tempo precisamos considerar a situação de minhas filhas. São novas, são bonitas.
– Perfeitamente.
Dr. Maciel pigarreia e continua:
– Por outro lado, você não é nenhum Boris Karloff, nenhum Frankenstein. Pode impressionar, qualquer mulher, inclusive minhas filhas. E é natural que eu, como pai, queira saber o seguinte: qual das duas você prefere? Dorinha ou Elena?
– Não sei.
– Como?
Maurício ergue-se. Vai até a janela. Volta. Senta-se. Passa o lenço no suor da testa. Repete:
– Ainda não sei. Porque são duas meninas tão formidáveis que, francamente, não sei como escolher e…
Engasgou-se. Durante alguns momentos, olharam-se, em silêncio. Dr. Maciel levantou-se. Foi sóbrio e definitivo:
– Sinto muito, mas dou-lhe 24 horas para você se decidir. Ou uma ou outra. Do contrário, você deve se afastar da minha casa.
Desespero
Maurício saiu dali tonto. Pensou, quebrou a cabeça, sem achar uma solução. Em desespero de causa, partiu para a casa do Alípio, que era seu maior amigo e confidente. Entrou e foi dizendo: “Vim descalçar contigo uma bota daquelas!” Contou para o outro o ultimatum feroz que recebera; e dizia:
– Estou apaixonado. Apaixonadíssimo. Mas não sei por quem.
– Sossega!
Pôs, dramático, a mão no peito:
– Sob minha palavra de honra! Tanto pode ser Elena, como Dorinha! Alípio pigarreou:
– Ou as duas.
– Como?
Alípio acendeu um cigarro e insistiu na tese:
– Sim, senhor! As duas, por que não? Ou tu pensas que não se pode amar duas, três, quatro, até cinco mulheres, ao mesmo tempo?
– Não brinca, que o negócio é sério, sério pra chuchu!
Conversaram uns quarenta minutos, estudando todas as possibilidades. No fim, jocoso, Alípio sugeria:
– Tira par ou ímpar.
Maurício ergueu-se, amargurado; admitiu: “Aqui, entre nós, se fosse coisa que eu pudesse, te juro que me casava com as duas.” Despediu-se. Alípio veio trazê-lo até a porta. Perguntou:
– Queres que eu banque o profeta?
– Mete lá.
Alípio baixou a voz:
– De qualquer maneira, ficarás com as duas. Uma será a tua esposa. E a outra dará em cima de ti, mais cedo ou mais tarde. Toma nota.
Escolha
No dia seguinte, Maurício comparecia ao escritório do velho. Ainda não se decidira. E só quando apertou a mão de Dr. Maciel é que disse o primeiro nome que lhe ocorreu:
– Elena.
Dr. Maciel esfregou as mãos:
– Ótimo. Ótimo!
Mas já o rapaz experimentava uma surda nostalgia de Dorinha, como se a tivesse perdido para sempre. De noite, foi visitar a família da pequena. Sentia-se noivo para todos os efeitos. E um sintoma da nova situação foi a ausência de Dorinha. Teve vontade de perguntar por ela, de chamá-la, mas um escrúpulo o travou. Houve um momento, em que, na sua euforia, Elena o levou para a janela. Pôs-lhe a mão no braço:
– Só quero uma coisa de ti. E ele:
– Fala.
Sem desfitá-lo, quase sem mover os lábios, Elena suspirou:
– Se tiveres de me trair, algum dia, escolha qualquer mulher. Menos uma: Dorinha.
Vestido de noiva
Dois dias depois, Elena descobria, numa página de revista, um fabuloso figurino de noiva. Andou mostrando aquilo a parentes e vizinhos. Pedia o parecer de todos: “Não é lindo?” Só não pediu a opinião de Dorinha. Por sua vez, esta calava, retraía- se, numa espécie de pudor diante da felicidade que arrebatava a irmã. Mas Elena não perdia tempo. Num instante, arranjou costureira, comprou metros e metros de fazenda, numa alegria de todos os segundos, de todos os minutos. Dorinha quase não abria a boca. Emagrecera, tornara-se mais fina e mais frágil, e tinha, quase sempre, um olhar de sonho. Um dia, o pai faz a pergunta imprudente: “Mas que ar é esse, minha filha?” Ela o emudeceu, dizendo apenas isto:
– Não me pergunte nada, meu pai. Eu não quero, nem devo falar.
Só na véspera do casamento é que, com um misterioso sorriso, diria: “Quem sabe se eu também não tenho meu vestido de noiva?” Na manhã do dia, Dorinha chama o pai. Foi suscinta: “Eu não vou a este casamento. E não me pergunte por quê.” Dr. Maciel teve bastante tato para não insistir. Ao meio-dia, houve o casamento do civil; às cinco horas, no religioso. Depois, uma breve reunião na casa dos pais da noiva. E, às nove horas partem os dois para uma pequena casa, lírica e discreta, na Tijuca.
Primeira noite
Lá passariam a lua de mel. Pela manhã, a família fora fazer uma revisão na casa, colocando lacinhos de fita nas chaves, nos trincos, flores nos jarros. Segundo d. Rosinha, tudo estava um “brinco”, uma “teteia”, etc., etc. A caminho da nova residência, Elena tinha saudades do fabuloso vestido de noiva, que não usaria, nunca mais. No fundo, gostaria de ser uma noiva mais ou menos eterna. Finalmente, chegam. Descem. De braço, entram. No meio do jardim, ele a carrega no colo. Há um beijo selvagem. Estão na varanda e Maurício abre a porta. Novo e mais desesperado beijo. Ele a carrega, outra vez. E, assim, entra no quarto, ainda escuro. Aninhada nos braços do ser amado, Elena acende a luz e… O primeiro grito partiu da noiva. Havia alguém no leito nupcial. Uma mulher, vestida de noiva, antecipara-se. Estava deitada, ali. Cortara os pulsos, morrera docemente, com os braços em cruz. Era Dorinha. E na parede estava escrito a lápis, com a letra da que morrera, aquela maldição: “Nem meu, nem teu.” Elena gritava, enlouquecida. Vizinhos e transeuntes invadiram a casa.
Horas depois houve autópsia. Depois, por vontade da família, Dorinha foi vestida como para um fantástico casamento. Enterrada de branco. Noiva para sempre.