Era contra o casamento. E não fazia o menor mistério. Confessava, claramente, que tinha uma espécie de tara. Havia, em redor, um espanto.
– Tara?
– Pois não. Tara, sim.
– Mas como?
E ele, com alegre naturalidade:
– Só gosto de mulher casada.
– No duro?
– No duro. Tenho horror das solteiras. Não me interessam…
Este cinismo de salão causava um grande efeito, sobretudo nas mulheres.
As solteiras arregalavam os olhos, no fundo deliciadas; e as madames achavam também uma graça infinita nesse descaro. E Sandoval, lisonjeado com o sucesso, insistia:
– Palavra de honra!
A desconhecida
E, um dia, ele ia saindo de casa, quando bateu o telefone. Voltou para atender.
Uma voz de mulher perguntava:
– Sandoval?
– Ele mesmo. E a voz:
– Quem fala, aqui, é uma fã.
Sandoval, no momento, não tinha que fazer; gostou da voz e dispôs-se a perder de dez a 15 minutos. Inicialmente, a desconhecida quis saber:
– É verdade aquilo que você disse?
– O quê?
– Que só gosta de mulher casada? É verdade? Sandoval riu:
– Mais ou menos.
– Que pena!
– Por quê?
E a anônima suspirando:
– Porque eu sou solteira. Nem tenho namorado, imagine!
Divertido com a petulância da fulana, fez a blague:
– Vamos fazer o seguinte: você se casa e depois aparece.
– Olha que eu me caso mesmo!
A casada
Moço, forte, bem-apanhado, Sandoval continuou sua vida sentimental. Mas ninguém lhe conhecia uma aventura com pequena solteira. Dir-se-ia que a mulher casada era sua fatalidade. Explicava, a sério, as vantagens ilimitadas da esposa alheia, sendo que a primeira e maior é a de já estar casada. Concluía, convicto:
– Alto negócio! E, além disso, baratíssima. Quem subvenciona, quem corre com as despesas, é o marido!
Pouco a pouco, sem que ele mesmo o notasse, foi se esquecendo de umas tantas providências elementares, de sigilo, de recato. Fazia quase ostentação. E já o dominava a vaidade de ser visto, apontado e, até, execrado. Houve dois ou três escândalos. E a coisa se tornava tão notória e imprudente que, afinal, um amigo o procurou. Fez-lhe advertências graves, sugeriu mesmo uma hipótese:
– Podes levar um tiro!
Acontece que a mulher deste amigo era um dos casos de Sandoval. E ele, muito sério e compenetrado, sem desfitar o outro, bateu-lhe nas costas:
– Obrigado, Fulano. Mas não há perigo. Eu não me caso, por quê? Porque o marido, em geral, é um idiota chapado.
O outro insistia:
– Mas você precisa fazer o negócio com mais discrição, que diabo! Na saída, o amigo ainda o convidou:
– Queres jantar amanhã com a gente? Minha mulher reclama que você quase não aparece.
A madame
Passa-se o tempo. E a vida mesma, os fatos, as pessoas e as situações faziam de Sandoval um cidadão cada vez mais cínico. Dizia-se dele, que era um canalha. Um dos seus prazeres mais agudos era se fazer amigo, e íntimo, dos maridos enganados, de conviver com eles. Era uma maldade, que dissipava alegremente, uma maldade aliás desnecessária, quase esportiva. Até que, um dia, uma voz feminina telefona para ele. E, logo, faz a seguinte pergunta:
– Lembra-se de mim?
De momento, não se lembrava, nem aquela voz lhe sugeria qualquer antiga impressão auditiva. Ela deu maiores detalhes: “Sou aquele brotinho, assim, assim.” Acabou exclamando:
– Já sei. Agora me lembro! Como vai você? E ela:
– Segui seu conselho. Casei-me. Teve uma surpresa alegre:
– No duro?
– Batata. Olha, faz hoje um mês!
– Ótimo!
Dois dias depois, tiveram o primeiro encontro, num bar de praia. Ele pediu um aperitivo qualquer e ela um refresco, de canudinho. E Sandoval, sôfrego, como se aquele fosse um primeiro amor, gostou de tudo, inclusive da feliz irresponsabilidade com que ela interrompia a lua de mel e vinha ao encontro do pecado. Sandoval quis saber quem era o marido e como era. Riu, esfregando as mãos:
– Você me apresenta a ele, o.k.?
– O.k.
Ela ainda explicou que o conhecia há muito tempo, de vista, desde garotinha; que ficava, da janela, maravilhada, vendo-o passar; que fora e continuava sendo o seu amor, primeiro e único. Casara-se por quê? Para ficar livre e, então, poder abandonar-se. Não pensava no marido, não admitia que o marido pudesse converter-se numa amea-ça, num perigo ou, simplesmente, num obstáculo. Tanto que, na sua perversidade, escolhera, a dedo, entre muitos, o rapaz que lhe parecera mais cômodo e inofensivo. Então, envaidecida da própria malícia, soprou:
– Sabe? Ele é aleijado!
O aleijado
Era verdade: Domício tinha uma perna mais curta que a outra. Daí, como dizia Sônia, o “complexo”. As coisas entre Sônia e Sandoval se passaram de uma maneira muito simples, clara e direta. Ele não precisou fazer o mínimo esforço para conquistar uma conquistada. E, de vez em quando, apesar de toda a experiência, Sandoval perturbava-se diante daquela mocinha tão segura de si e com uma predestinação tão firme e irresistível para o pecado. Exclamava, então:
– Mulher é um bicho interessante! Um caso sério!
Sem nenhum senso do bem e do mal, Sônia aproximara os dois, levara Sandoval para dentro de casa.
E Domício, numa boa-fé de cortar o coração, acompanhara-o, na saída, até a porta: “Apareça, sempre. Aqui, às suas ordens.” E, no dia seguinte, a sós com o Sandoval, ela, no orgulho da própria astúcia, gabava-se:
– Viste o golpe? Foi ou não foi espetacular?
Surpreso, Sandoval deixou-a desenvolver seu raciocínio feminino. Em suma, Sônia achava que um marido aleijado é “uma mina”, não pode reclamar nada, tem que aguentar firme tudo e olhe lá. Sandoval, com uma certa melancolia, suspira:
– Muito desagradável o defeito do teu marido.
A maldade
Dir-se-ia que a indignidade da situação era necessária para os dois. E, pouco a pouco, eles foram perdendo a prudência e encontravam na exibição um estímulo necessário. Apareciam, juntos, nas sorveterias, na praia, em todo lugar. Mesmo em casa eram cada vez mais ostensivos. Como se a doçura do outro o irritasse, Sandoval puxava o tema da infidelidade. Declarava coisas assim: “O sujeito que se casa é burro. Ninguém pode pôr a mão no fogo pela mulher.” Parecia um desafio inútil e grosseiríssimo ao pobre-diabo que, do outro lado da mesa, achava graça e celebrava:
– Você é uma bola, Sandoval! Um número!
Durante o jantar, os pés de Sônia e Sandoval trabalhavam por debaixo da mesa. Se Domício olhava para o lado, Sônia fazia a boca em bico, para o amante, numa sugestão de beijo. Outras vezes ele sugeria: “Vem de vestido em cima da pele. Sem nada por baixo!” Sônia vinha. E os dois precisavam ter o pobre-diabo no meio, como se a sua presença completasse o prazer. Por fim, tanta cegueira fazia nascer, em Sandoval, uma espécie de irritação; dizia, brutalmente: “Esse teu marido é uma boa besta!” Depois do jantar, ele os deixava conversando e se afundava na poltrona, para cochilar, escandalosamente.
O abnegado
Mas Sandoval não nascera para uma só mulher. A variedade era, na sua vida, um hábito, um vício, uma doença. Ele acabou se interessando por uma outra, também casada e também com um marido ingênuo e bom.
E, então, mancando, Domício o procurou. Disse-lhe:
– Outra não, seu cachorro! Eu não admito, ouviste? Te dou seis tiros!
De noite, Sandoval apareceu na casa dos dois. Depois do jantar, enquanto ele conversava com Sônia, Domício cochilava na poltrona.