Um dos seus primos, rapaz desabusado, meio irresponsável, esperou-a na saída do colégio:
– Vem cá, Terezinha, vem cá. Tenho um negócio pra conversar contigo. A menina, com a pasta debaixo do braço, fez sinal às coleguinhas, para que esperassem. Então, o primo a interpelou:
– Sabe que eu estou besta contigo?
– Por quê?
Ele olhou para os lados, baixou a voz:
– Ouvi dizer que você estava namorando o dr. Moreira. Me garantiram. É verdade?
– E se fosse? Esbravejou:
– Um cara que podia ser teu pai! Não está vendo que é um papel ridículo? Que vão rir de ti, hein?
Foi sóbria e definitiva:
– Olha aqui, Fulano; não tenho que lhe dar satisfações. Vê se não dá palpite na minha vida, sim? Até logo.
Largou o rapaz, no meio da calçada, atônito, e foi se reunir às colegas.
Escândalo
Com 17 anos, acabando o ginasial, Terezinha aparentava menos. Pertencia a essa classe de mulheres que não envelhecem. Muito quieta, reflexiva, com uns modos lindos, não tivera ainda um namorado. E como as colegas, sapequíssimas, soubessem que não fora jamais beijada, diziam: “Você não sabe o que é bom, sua boba!” Em compensação, seu pai e sua mãe podiam dizer com o natural orgulho: “Por Terezinha, ponho a mão no fogo!” Pois bem, um dia, Terezinha chega do colégio, vai direto à mãe e anuncia:
– Mamãe, eu gosto do dr. Moreira!
A santa senhora, que tinha pressão baixa, quase caiu, dura. O fato é que se Terezinha soltasse uma cabeça de negro na sala de jantar, teria causado menos sensação. Entre parênteses, diga-se que d. Maria Sabina, no primeiro momento, desconfiou das faculdades mentais da filha. O dr. Moreira, médico da família, completara, dias antes, seu quadragésimo oitavo aniversário. O primeiro argumento de d. Maria Sabina, foi o mesmo do primo: “Podia ser teu pai!” E houve mesmo quem, exagerando, dissesse, em vez de “pai”, “avô”. Durante cerca de duas semanas, a família fez o diabo para dissuadir a menina. A mãe explicava: “Você ainda é muito criança e não sabe; mas não pode haver tanta diferença entre marido e mulher. É um crime!” Doce, mas firme, replicava:
– É dele que eu gosto, mamãe. Outro não interessa. D. Maria Sabina punha as mãos na cabeça:
– Daqui a dez anos ele está gagá e você na flor da idade. E sabes o que é que vai acontecer? A mulher moça que se casa com velho, acaba…
Interrompeu-se para não dizer uma barbaridade. A verdade é que desejaria ter dito o seguinte: que o velho que se casa com mocinha está arranjando mulher para os outros. Ponto de vista, como se vê, muito discutível e exagerado. Falharam todos os esforços e raciocínios. Por fim, a família, amargurada, aceitou a situação. Dr. Moreira, com seus cabelos raros e grisalhos, a calva quase espetacular, pôde ir namorar, dentro de casa. Acabou fazendo o pedido e se tornando noivo oficial. Tinha muita pressa no casamento e explicando, para a família, a questão da urgência, dizia: “Já não sou mais criança!” Quanto à d. Maria Sabina, esbanjava as próprias lágrimas nas costas do feliz noivo. E seu consolo, não revelado, era o seguinte: como dr. Moreira sofria do coração, ela, intimamente, afagava a esperança de um colapso antes de velhice total.
Os quartos
Como explicar essa atração de uma menina de 17 anos, ainda colegial, por um senhor de 48? O pai, meio vago, dizia que amor não tem lógica. O primo, rancoroso, via, no amor de Terezinha, uma manifestação mórbida. A verdade é que Terezinha parecia imersa numa felicidade de novela. Dia e noite, só pensava nos problemas de casamento. Certa vez, o dr. Moreira acende um cigarro, sopra a fumaça e diz:
– Quando a gente se casar, já sabe: vamos dormir em quartos separados. Espantou-se Terezinha. E o médico, pondo cinza no cinzeiro, argumentou:
– Esse negócio do marido ver a mulher com cara de sono, e vice-versa, tira a poesia. Deve haver sempre, num casal, uma certa cerimônia, um limite.
D. Maria Sabina, quando soube, foi às nuvens; deblaterou: “Isso pode dar certo nos Estados Unidos. Aqui não.” Já o marido, mais ponderado, ralha: “Não se meta.” E ela, fora de si:
– Estou com essa história de quartos atravessada na garganta!
Coincidiu que, dias depois, o dr. Moreira, acariciando Terezinha nos cabelos finos e sedosos, dissesse: “Às vezes, eu penso que gosto de ti como de uma filha.” D. Maria Sabina precipitou-se para fora da sala. Foi chorar lá dentro: “Minha filha, em vez do um marido, arranjou um pai: se é possível!”
Família
Casaram-se, um belo dia. A mãe compareceu à cerimônia como se fosse ao enterro da filha. Em dado momento, já em casa, desabafou com o marido: “Nenhuma mulher moça tem obrigação de ser fiel ao marido velho!” O marido a fulminou com a pergunta: “Você bebeu?” Passou. Dali os noivos partiram para a lua de mel, na montanha. Nove meses depois, nascia o primeiro filho. Mais um ano e vinha a filha. Dr. Moreira parecia satisfeito: “Chega!” E, Terezinha, que sofrera muito com os dois partos, suspirou: “Também acho.” O fato é que ela, embora muito boa de coração, duma afetividade imensa, não sabia lidar com os filhos. Quando eles eram pequenininhos, tinha os receios mais pueris; de machucá-los, de deixá-los cair. Quando eles choravam com dor de barriguinha, caía num desespero obtuso e ineficaz. Não lhe ocorria uma medida, uma providência, um remédio. Felizmente, uma tarde, dr. Moreira apareceu, radiante: “Meu anjo, resolvi o problema da babá.” A exclamação de Terezinha foi imediata, irreprimível:
– Oh! Graças! E, de fato, no dia seguinte, apareceu a mocinha, asseada, bonitinha, modos aristocráticos. Chamava-se Ema e foi logo dizendo: “Sempre gostei de crianças.” Quando viu o menino e a menina maravilhou-se. Numa espécie de frenesi, de voracidade, agarrou um e outro, com as exclamações naturais: “Oh, que amor! Que encanto, meu Deus!” Pouco depois, no jantar, abrindo o guardanapo, dr. Moreira sublinhou a coincidência:
– Tem a tua idade!
Ema
Foi um descanso fabuloso para o casal a presença de Ema. Dia e noite, ela não fazia outra coisa senão prostrar-se, em adoração, diante das crianças. Dir-se-ia a verdadeira mãe, cercando o menino e a menina de todos os cuidados possíveis e imagináveis. A própria d. Maria Sabina ficou impressionada: “Que dedicação!” A boa senhora continuava fula com a separação dos quartos. Confessava: “Isso não me entra!” Ou então, era mais contundente: “Considero isso uma autêntica cretinice!” Ao que Terezinha, com o seu bom gênio, replicava:
– Meu marido me adora. É louco por mim!
Sempre que d. Maria Sabina aparecia na casa da filha cravava no genro um olhar crítico, fazendo uma estimativa dos possíveis estragos causados pela velhice.
Passaram-se cinco, seis, sete anos. E, de repente, sucede uma coisa estranha: d. Maria Sabina que, no mais íntimo de si mesma, sonhava com a morte do genro, caiu de cama. O colapso, que desejava para o dr. Moreira, matou-a. Deixou assim de existir a única pessoa que reclamava contra a separação de quartos. Terezinha vivia, felicíssima, com o marido e o casal de filhos. Era, porém, uma mãe apenas nominal. Seus dois filhos estavam inteiramente dominados pela jovem e formosa Ema, que lhes fazia todas as vontades. Por vezes, a mãe se queixava: “Meus filhos nem me ligam!” Quanto ao dr. Moreira, continuava na mesma: sua velhice estabilizara e parecia muito bem-disposto. Terezinha, um pouco mais gorda, podia dizer: “Não tenho do que me queixar.” Uma madrugada, porém, tem um pesadelo. Acorda, gritando. Acende a luz, e o medo continua. Então, nervosíssima, ergue-se, enfia nos pés as chinelas de arminho e, na leve e transparente camisola, abandona o quarto e vai ao do marido. Passa a mão no trinco e abre. Mas estaca: Ema estava lá completamente nua.
Tragédia
Fora de si, voltou ao quarto. Dizia e repetia: “Cínicos! Cínicos!” Mas já o marido, de pijama, entrava e fechava a porta, à chave. Gaguejou: “Vou explicar…” Berrou: “Não quero ver nem você, nem essa miserável!” Ele, então, lívido, o lábio inferior tremendo, foi sóbrio, mas enérgico:
– Miserável por quê? Sim, por quê? Gosta tanto de mim como você, ora essa! Foi uma cena atroz e brutalíssima, no seu furor, Terezinha já excluía o marido, para se virar, só e só, contra a outra. Gritava: “Ela tem que sair daqui, agora, já!” Foi, então, que o dr. Moreira, teatral, perguntou: “E as crianças? Você se esquece das crianças?” Avançou para o marido, quase o agrediu: “Ela não me põe mais a mão nos meus filhos!” O marido saiu, de lá, resmungando: “Veremos.” Durante meia hora, ela, no quarto, andou de um lado para outro, quase louca. Continuava na obsessão da babá maravilhosamente nua. Depois, instintivamente, vestiu-se. Tomara uma resolução: ia, ela mesma, em pessoa, expulsar a miserável. Abriu a porta do quarto e… diante dela, à espera, estava um grupo: o marido, Ema e as duas crianças, transidas, agarradas às saias da babá loura. Terezinha ficou chumbada no lugar. Era aquele um bloco unido e solidário. Então, enlaçando Ema com o braço, e depois de pigarrear, dr. Moreira proferiu a última palavra:
– Você está vendo! As crianças preferem Ema!
De fato, o menino e a menina abraçavam-se, gritando, às pernas da Fulana. Muda, com os olhos muito abertos e sem lágrimas, Terezinha passou por eles — corrida do próprio lar.