O marido silencioso – Nelson Rodrigues

Vinte e quatro horas antes do casamento, d. Eunice viu a tristeza da filha e estranhou:

— Que é isso, minha filha?

Maria Lúcia quis disfarçar:

— Nada, mamãe, nada. Por quê?

E d. Eunice:

— Estou achando você meio assim, esquisita. Houve alguma coisa entre vocês, houve?

Maria Lúcia ri:

— Ora, mamãe! Mas que bobagem! Teria cabimento a gente brigar na véspera do casamento? — Trancou os dedos: — Isola!

Sem desfitar a filha, d. Eunice suspirou: “Ótimo. Antes assim”. Mas não estava convencida. Achou na alegria de Maria Lúcia algo de artificial, de falso. Meia hora depois surpreende a pequena com a pergunta:

— Você está feliz, minha filha?

— Eu?

— É.

Maria Lúcia teve uma brevíssima hesitação: “Estou, sim. E não é pra estar?”.

Pausa e pergunta: “Tenho um noivo quase perfeito”. D. Eunice faz espanto: “Quase?”.

A garota parece desconcertada. Termina admitindo:

— É o seguinte: Abelardo é formidável, estou satisfeita com ele. Mas tem um defeito. Um único defeito.

— Qual?

Maria Lúcia ergue o rosto:

— Fala pouco. Quase não fala. É um boca-de-siri!

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