Obra-prima do pop de Andy Warhol – Artigo de Hermano Vianna

By | 23/08/2013

Adoro passar as provocações de Warhol adiante, para contrariar quem se acha inteligente por atacar o pop.

Se, na vida, você só puder ler um livro sobre o pop, nem titubeio ao recomendar: gaste seu tempo/dinheiro na companhia de “Popismo — os anos sessenta segundo Warhol”. Temos finalmente uma recém-lançada tradução brasileira dessa obra- prima. Não sou o primeiro a fazer elogio exagerado. Na época da publicação nos EUA, há mais de 30 anos, Calvin Tomkins (autor de biografia de Duchamp, entre outros novos clássicos que investigam a arte contemporânea) escreveu na “New Yorker”: “É sem dúvida o melhor trabalho que Warhol já nos deu, em qualquer mídia.” Acrescenta incentivo para leitores bissextos ou que têm medo de não ficção: “‘Popismo’ se lê como um romance. O diálogo é incrível, e a subnarrativa violenta cria suspense.”

Meu exemplar americano está todo sublinhado. Muitos trechos continuaram, em inúmeras releituras, a me iluminar, divertir, desconcertar. Andy Warhol foi um dos mais densos observadores da realidade pós-mercantilização-da-cultura (seu tom “superficial/deslumbrado” aprofunda a densidade). Adoro passar suas provocações adiante, quase sempre para contrariar aquele tipo de opinião que se acha inteligente/independente por atacar o pop (ou o gosto pelas coisas de que todo mundo gosta), mas que é apenas outra maneira de ser “maria-vai-com-as-outras”. Com lucidez, “Popismo” decreta: “As massas queriam ser não conformistas, então isso queria dizer que o não conformismo tinha de ser fabricado em massa.” Progredimos: hoje as massas têm raivinha-rede-social.

Os capítulos de “Popismo” são divididos por anos. Meu preferido é 1965, cheio de eventos grandiosos e definidores do pop segundo Warhol. Como o blackout de Nova York: Andy estava na Filadélfia, mas voltou depressa para não perder Manhattan sem eletricidade. “A lua estava cheia, e era, de certa forma, como uma grande festa — atravessamos o Village e estava todo mundo dançando, acendendo velas.” Mais adiante um porém que desemboca em apologia apoteótica: “Havia lindos soldados da Guarda Nacional ajudando as pessoas presas no metrô e pensei que lá embaixo deveria ser o pior lugar para se estar — a única coisa que podia estragar uma bela ideia como aquela. Foi o maior happening, o mais pop dos anos 60, realmente — envolveu todo mundo.”

Fico com pena de não ter espaço aqui para citar todo o parágrafo (páginas 165/166 na tradução da editora Cobogó) descrevendo o dia do Papa Paulo VI em Nova York. É tão pitoresco/estranho quanto o quadro com a sopa Campbell’s. Começa de manhã com a chegada do DC-8 da Alitalia no JFK. Descreve telegraficamente cada uma das atividades papais, até a missa para 90 mil pessoas no Yankee Stadium, dali se dirigindo “ao encerramento da World’s Fair para ver a Pietá de Michelangelo em seu contexto pop antes de a estátua voltar para o Vaticano, dali de volta para o Kennedy, para o avião da TWA, dizendo, quando os repórteres perguntaram o que havia achado de Nova York: ‘Tutto buono’ [Tudo bom], que era exatamente a filosofia do Pop. Estava de volta a Roma na mesma noite. Fazer tudo isso em tão pouco tempo com tamanho estilo — não consigo imaginar nada mais pop do que isso.”

Andy sempre gostou de muita gente e de festa (há inclusive um guia de comportamento para festas, também assinado por ele e sua assistente Pat Hackett, que precisa de lançamento brasileiro). Só andava com sua turma de “superstars”: “Eu estava ficando famoso por levar nunca menos que vinte pessoas a todo lugar que ia, inclusive — e principalmente — às festas. Era como se fosse uma festa inteira se encontrando com outra em qualquer lugar que fôssemos.” Na hora dos autógrafos, Edie Sedgwick assinava “Andy Warhol”. Allen Midgette o substituía em palestras: ele “fazia um Andy Warhol muito melhor do que eu — […] beleza radiosa e era 15-20 anos mais novo. […] Quer dizer, os verdadeiros Bonnie e Clyde não pareciam nada com Faye e Warren. Quem quer a verdade?”

Então está provado? Andy era uma fraude? Rebatendo fofocas contra a estilista Tiger Morse, há comentário que pode ser entendido como seu ideal de vida: “claro que era, mas ela era uma fraude verdadeira. Rendia mais matérias nos jornais do que eu.” Publicidade é estratégia de guerrilha para quem quer ser pop. Porém, vários momentos de “Popismo” deixam claro que Andy se surpreendia com o interesse que despertava na imprensa (ele preferia quando entrevistas não eram gravadas: “gostava porque quando saía escrito era diferente do que eu tinha dito de verdade”) e nas pessoas. Sua explicação/receita: “nós estávamos realmente interessados em tudo o que acontecia. A ideia pop, afinal, era que todo mundo podia fazer tudo, então naturalmente nós estávamos tentando fazer tudo.”

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