Os Kalogheras – Conto de Lima Barreto

O sucesso do Polemaska Kalogheras na retumbante mobilização das tropas nacionais para a gloriosa expedição da Bahia causou pasmo a todos, inclusive o basileus Epitaphio.

Entretanto, a nós, um tal acontecimento não trouxe nenhuma surpresa, porquanto conhecíamos de há muito as virtudes guerreiras dos Kalogheras, desde o mais remoto ancestral do atual ministro que foi o fulminante Alexandre da Macedônia, cuja fama ainda enche o mundo e aborrece os meninos estudantes de história na indagação de saber se ele foi ou não foi o maior general de todos os tempos.

Os Kalogheras são originários da Macedônia e os outros gregos, inclusive Plutarco, falam neles aqui e ali, louvando-lhes as virtudes guerreiras. Há alguns, porém, da Beócia.

Cremos mesmo que já o velho Homero, na Ilíada, tem um verso em que se alude a altos feitos dessa família predestinada; o certo, porém, é que, nas épocas últimas, eles sempre se mostraram guerreiros de primeira ordem. Quando os turcos conquistaram e tomaram o Império Bizantino e suas restantes províncias, os Kalogheras, não tendo a quem oferecer as suas aptidões bélicas, puseram-se a serviço dos osmanlis, pelo que os sultões respectivos deram-lhes grandes honras e muitos cequins de ouro.

Corre que, entre as proezas do Kalogheras, há a de ter ajudado a bombardear o Partenon de Atenas, feito glorioso que toda a gente atribui a sua autoria tão somente aos turcos, mas que, na verdade, nela tomaram parte muitos gregos.

Com a emancipação grega, os Kalogheras, não podendo suportar a admiração de um rei estrangeiro, imposto pela Inglaterra e pela França, emigraram, uns, e outros entregaram-se à guerra nacional de perturbar o comércio marítimo dos mares do Levante, sobretudo no do arquipélago. As duas únicas grandes potências marítimas daquelas épocas, a França e a Inglaterra, fizeram uma guerra feroz e inumana a esses patriotas gregos, e a maioria dos Kalogheras foi morta, sem julgamento nem outra qualquer formalidade, nos navios de guerra ingleses e franceses, quando neles caíam como prisioneiros.

Uma raça guerreira dessas, em cujo sangue há certamente muitas gotas do sangue do turco combativo, não podia deixar de revelar no nosso atual ministro da Guerra, que dela descende, uma capacidade extraordinária e uma forte alegria que mal se faz inteirar, na tática e feroz, na estratégia de uma guerra civil.Quem sai aos seus, não degenera.

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