Pierrô da caverna – Conto de Rubem Fonseca

By | 29/06/2022

Existem pessoas que não se entregam à paixão, sua apatia as leva a escolher uma vida de rotina, onde vegetam como “abacaxis numa estufa”, como dizia meu pai. Quanto a mim, o que me mantém vivo é o risco iminente da paixão e seus coadjuvantes, amor, ódio, gozo, misericórdia. Carrego um gravador a tiracolo. Apenas quero falar, e o que eu disser não será passado jamais para o papel, e assim não tenho necessidade de buscar o estilo requintado que os críticos tanto elogiam e que é apenas um trabalho paciente de ourivesaria. Não sabendo como as palavras se posicionam no papel perco a noção da sua velocidade e coesão, da sua compatibilidade. Mas isso não interferirá com a história. Havia alguém me vigiando atrás da porta. Regina respondeu que era tudo minha imaginação; o casal que morava lá trabalhava fora e a única filha deles passava o dia no colégio. Ao voltar para o meu apartamento depois que Regina saiu, o telefone tocou e como sempre ele, ou ela, ficou em silêncio, um silêncio denso, secreto, que me ameaçava e cada vez ficava mais sinistro. Gritei: está pensando que eu tenho medo de você? Não podia ser Maria Augusta, dela eu jamais sentiria medo. Quando nos separamos deixei-lhe o apartamento e todos os móveis, quadros, livros, tudo. Mas isso foi há muito tempo, ou melhor, foi há pouco tempo mas já afastei tudo para tão longe que, se não fossem os livros, eu nem me lembraria da existência dela. Li no jornal que em Londres organizaram uma associação de pedófilos e seus membros, no dia da inauguração, foram agredidos por uma multidão de cidadãos irados, mulheres na maioria. Conto isso para Regina quando ela me telefona para perguntar, como sempre faz, se eu a amo. Digo para ela tomar cuidado com a extensão, mas não há perigo, ele está no banho, e ambos dizemos eu te amo, várias vezes e combinamos o encontro do dia seguinte. Depois deitei no sofá e fiquei pensando. Quando era menino eu gostava de fingir que ia dormir para poder ficar pensando sem ninguém me interromper. Os adultos ficam preocupados quando veem uma criança quieta pensando. Eu passava, e passo, a noite, ou grande parte dela, acordado, pensando. Às vezes sobre um acontecimento que presenciei, como a briga de galos que vi outro dia. Num dos intervalos da luta o galeiro tirou um esporão cravado no peito do galo e colocou-o de volta na rinha, sangue escorrendo do ferimento, as pernas marcadas de nervuras estremecendo num tremor contínuo; o galo morria, feroz, e o homem aceitava as apostas que faziam contra ele sabendo que perderia. Então saí de lá pensando em fazer um poema usando a morte do animal como um símbolo. Toda arte é simbólica, mas não seria preferível, mais simbólico, escrever sobre pessoas se matando? Macacos me mordam. Acabei decidindo que escreveria uma novela; talvez volte a falar disso daqui a pouco. Eu disse que havia deixado os livros para Maria Augusta, mas não foi bem assim, nós decidimos dividir os livros, ela escolhendo primeiro. Mas Maria Augusta nunca fez isso. E assim, vez por outra, eu vou à casa dela apanhar um livro. Nossos contatos cada vez ficam mais desagradáveis. Da última vez ela não escondeu a irritação que a dominou ao me ver. Ela usava um vestido longo e joias, como se fosse a algum lugar; demorou a convidar-me para entrar e logo vi por quê. Um sujeito estava sentado na sala, rosto rechonchudo pálido azulado pela barba, apesar de bem-escanhoado; vestia-se na moda, camisa de voile francês aberta no peito, um cordão de ouro grosso com um moedão em volta do pescoço, e estava perfumado. Chamava-se Fernando, suas unhas e suas maneiras eram polidas, perguntou se eu estava escrevendo alguma coisa. Essa é uma pergunta que vivem nos fazendo, a nós escritores, como se não parássemos nunca de escrever; nós paramos, e às vezes damos um tiro na cabeça por causa disso. Respondi-lhe que o tema do livro que eu estava escrevendo era pedofilia. Eu ia dizer, na ordem em que pensei: que era um livro sobre a devastação da Amazônia; que era sobre um curandeiro que enganava as pessoas pela televisão; sobre uma família de migrantes miseráveis vagando sem pouso no Rio de Janeiro; sobre briga de galos. Mas saiu pedofilia. Maria Augusta, percebendo que Fernando desconhecia o significado da palavra, explicou com rispidez que tratava-se de atração erótica por crianças, uma palavra composta grega que originalmente não tinha conotações perversas. A ignorância de Fernando me fez sorrir e isso deixou Maria Augusta irritada. O que aconteceu com você, ela perguntou sarcástica, está mais calvo e grisalho, com um jeito de velho, algum problema de saúde? Olhamo-nos, hostis e impiedo sos, à maneira daqueles que deixaram de se amar. Deve ser mesmo a idade, respondi, o pior de todos os venenos. Maria Augusta colocou a mão no pescoço, era ali que ela achava que o tempo depredava mais o seu corpo, e perguntou impaciente qual era o objetivo da minha visita. Apanhei os livros que queria e saí. À noite rolei na cama, sem sono, mas gostando de estar sozinho e acordado, dono absoluto dos meus pensamentos. O telefone tocou várias vezes e eu gritei: vá para o inferno!, e ele, ou ela, permaneceu em silêncio do outro lado. Alectrionon agones, alectriomachia. Eu e Regina fazíamos amor no sofá nos dias em que ela tinha pressa de voltar para casa. Após contemplarmos certas coisas, ou uma determinada coisa, há que mudar de vida. Eu pensava em Sofia e não me saía da cabeça a pulseirinha de ouro no tornozelo dela, que coisa mais diabólica. Quando nos encontramos no hall, o rosto dela ficou muito pálido, como estaria também o meu, certamente. Senti-me como se minha alma, se é que tenho uma alma, se desprendesse e subisse para o céu como uma labareda alucinante. Como vai o colégio?, perguntei. Ah, meu Deus, se é que Deus existe, não era uma urna grega, era o próprio ser humano, ao invés de uma das suas criações. Ela perguntou, mantendo a porta do elevador aberta, se eu ia descer. Não, não, eu não ia descer. Uma pulseirinha de ouro no tornozelo. Quem era mesmo que aos cinquenta anos achava que sua criatividade havia se esgotado, que estava velho e acabado? Era um escritor como eu, ah esse veneno! Em Atenas havia uma lei que mandava que todos os anos se celebrasse uma luta de galos no teatro, às expensas do Tesouro, em memória do discurso feito por Temístocles sobre o valor dos seus concidadãos, antes da batalha de Salamina. Atenienses! estais dispostos a imitar, em defesa da Liberdade e da Pátria, o encarniçamento desses animais que se matam apenas pelo prazer de vencer? Isso era um enredo, como queria o balofo amante da minha ex-mulher? O que será que Maria Augusta via em personagem tão raso? Como seriam os dois na cama, teria ele força para apertá-la nos braços, fazendo os ossos lhe doerem, e a carne, e o espírito, como ela gostava? Mordê-la, não apenas com os dentes? Na segunda vez em que a vi foi na minha casa. Sofia usava um vestido branco e os cabelos negros estavam presos numa fita, também branca, e a pulseirinha brilhava no tornozelo. Ela colocou o dedo na boca pedindo silêncio. Eu tremi, perguntei, num murmúrio, o que era. Era domingo e os pais dormiam até mais tarde e ela sempre quisera ver o meu apartamento. Eu estava estarrecido, essa talvez seja a melhor palavra para caracterizar o que eu sentia com a presença de Sofia em meu apartamento. Tudo aconteceu rapidamente, sem eu perceber bem de maneira lógica e lúcida a transação que ocorreu, como se eu estivesse fortemente dopado, e de fato eu estava, pela assombrosa proximidade dela. Depois ela se retirou, levando discos e livros. Era ela que me vigiava por trás da porta pois raramente ia ao colégio; não sei como isso era possível, talvez ela mentisse. Sofia disse ainda que nunca telefonava para mim, portanto não era ela o psicopata dos telefonemas, mas isso eu já sabia. Macacos me mordam. Sofia desde então não saía do meu pensamento, nem mesmo quando Regina chegava com o seu dinâmico corpo aceso e perfumado e suas histórias burguesas idiotas. Eu ansiava por falar de Sofia mas sabia que com Regina isso seria impossível e assim falava sobre outras coisas que Regina me fez depois descobrir serem metáforas evasivas da minha mente ardilosa. Severino Borges, quarenta e quatro anos, morador na favela Parque Alegria, em São Cristóvão, Rio de Janeiro, carpinteiro, era um homem delicado e prestativo. Não posso falar mal de Severino, disse o presidente da Associação de Moradores do Parque Alegria, porque ele sempre foi muito quieto e nunca prejudicou ninguém aqui, pelo contrário, trabalhou de carpinteiro de graça para quase todo mundo. Eu sabia que ele tinha essa doença, mas não sei quantos casos foram. Fiquei de longe vendo o espancamento, disse Maria da Penha, que mora na favela, bateram tanto nele que me deu pena, depois que ele caiu continuaram chutando e pisando e dando pauladas até ele morrer. Se ele tivesse feito isso com a irmã de Lucinha, que tem doze anos, acho que o pessoal não batia nele, mas a Lucinha tem só oito aninhos. Regina ouviu tudo isso em silêncio e depois me perguntou se eu estava gostando de alguma garotinha. Respondi que o amor era necessário ao desenvolvimento espiritual do homem, que o sexo era inocente e bom, uma parte importante da experiência estética e espiritual, como o prazer da música e da poesia. Não fuja da pergunta, disse Regina, outro dia você me disse que um homem de setenta anos havia casado com uma menina de doze e eu achei estranho que você se interessasse por isso e também achei estranho que você se interessasse por um sujeito que em Israel foi condenado à prisão por ter mantido relações sexuais com uma menina também de doze anos. Na verdade os juízes deram como provada sua alegação de que fora seduzido por ela. Não consegui fugir a tão vulcânica paixão, ele havia dito. Discutimos a tarde toda, eu e Regina, e pela primeira vez não fizemos amor. Ordem e Progresso. Quando o telefone tocou eu atendi e defendi-me da agressão silenciosa do troteador com uma cascata de doestos e vitupérios que Regina encarou como sendo indiretamente dirigidos a ela, o que a deixou ainda mais triste. Dez anos de análise para acabar com essa estrutura mental? A cor da pele de Sofia tem a brancura de lírio das heroínas dos romances antigos, um lírio branco, profundo, camadas de branco superpostas, um abismo de alvura sem fundo. Como o branco do meu sonho, um sonho em que não há nem pessoas nem tramas, nem objetos, só a cor branca e a cor preta, no sonho tudo começa com trevas profundas e nada se vê na escuridão. Subitamente tudo fica claro, mas também nada se vê nessa luz cegante. Olho muito para a boca das pessoas. Minha primeira namorada tinha um pivô azulado no meio da boca e queria me ensinar a dançar no cimento do ginásio de basquete; tinha uma barriguinha mole e complacente, pés ligeiros e suava no pescoço e me espremia na parede enfiando com força suas pernas entre as minhas. Não quero saber do teu sonho, nem da gordinha, disse Regina. Perguntei se já lhe havia falado sobre a bandeira brasileira e ela respondeu que conhecia todas as minhas manias, as antigas pelo menos, e que ela estava interessada no segredo que eu ocultava dela. Regina disse que pela primeira vez havíamos estado juntos sem fazer amor e que temia que aquilo pudesse ter um significado catastrófico. Macacos me mordam. Ordem e Progresso. E o telefone tocava: fala covarde, você não tem nada melhor para fazer? Em frente à máquina de escrever eu buscava forças para vencer o meu tédio. Que tal um texto apotegmático e aposiopésico: na natureza nada se perde, nada se cria. Eu só conseguia escrever ouvindo música e sentia vontade de ou vir o concerto para oboé em fá maior de Corelli, mas não achava o disco, devia estar na casa daquela megera, junto com os meus livros. Amo o oboé, o corne inglês, o fagote, paletas duplas cortam o meu coração. Tentei então escrever com Bela Bartok e deu isto: as pessoas se colocaram em duas filas na areia da praia, cerca de duzentos homens e mulheres e crianças, a maioria mulheres, em silêncio, aguardando reverentes a chegada do Curandeiro. Um vento fraco soprava do mar; eram cinco horas da tarde de uma sexta-feira da Paixão. Só isso. Há qualquer coisa em Bartok que inibe a minha motivação. A arte está cheia de meninas virando a cabeça de homens maduros, a de Malle, a de Nabokov, a de Kierkegaard, a de Dostoiévski. Dostoiévski seduziu uma menina de menos de doze anos e contou para Turgueniev, que não lhe deu importância. Sua culpa está projetada no Svidrigailov, de Crime e Castigo, e em Stavrogin, de Os Possessos, ambos pedófilos violadores. Cena do Diário de um Sedutor: a menina desce da carruagem e deixa aparecer um pedaço da perna e eu, Kierkegaard, me apaixono avassaladoramente. Ordem e Progresso. Encontrei– me com a mãe de Sofia, no elevador, uma mulher magra, dessas que almoçam um iogurte com um cream cracker e se pesam duas vezes por dia em uma balança dentro do banheiro. Me observava sem rebuços até que a olhei de volta da mesma maneira e ela se apresentou dizendo que gostaria que eu lhe autografasse um dos meus livros, ou dois, se não fosse abuso. Seu último livro me fez pensar muito, ela disse, modulando a voz como certas atrizes da televisão, uma tonalidade baixa desprovida de emoção; vou tentar imitá-la: está escrevendo alguma coisa? Ah, cansou de escrever sobre o amor? O amor não cansa, o senhor como escritor devia saber disso. Depois ela me surpreendeu batendo no meu apartamento com dois livros debaixo do braço, pedindo o autógrafo. O marido havia ido ao futebol. Tenho pressa, escrevi. Pressa de quê? Não podia ter a filha e agarrava a mãe. Procurarei ser o mais rápida possível, disse Eunice num sorriso coadjutor. Os burgueses epicuristas entediados fingem estar num mundo bom e poético em que todos vão para a cama com todos. Da máquina: Eles, os galos, começam a lutar entre um e dois anos de idade, comem alho, milho, cebola, ovos cozidos, carne crua, massagens de álcool e amônia tornam sua pele mais dura, para suportar os esporões forrados de couro, os esporões de osso, os esporões de metal, a mortal Arma Um. Pedigree de centenas de anos. Uma diversão real no tempo de Henrique VIII: suspeito que esta seria mais uma inconciliabilidade entre ele e Morus, desdenhada pelos historiadores. Macacos me mordam. Eu jamais escreveria inconciliabilidade. Gosto de dizer macacos me mordam porque era assim que meu pai vociferava quando ficava perplexo. Por que macacos e não escorpiões, ou cobras, ou cães que estavam mais à mão para mordê-lo? Nunca soube, meu pai era um homem misterioso. Ordem e Progresso é meu mesmo. Regina e Sofia tinham a mesma pele, o mesmo cabelo, a mesma treveluz do corpo. Mas Eunice era bronzeada de sol. Acho que entendi tudo, disse Eunice, não há tempo a perder. Para falar a verdade eu não sou um cínico, não sei ser irônico, sarcástico, sou tímido e orgulhoso, mas meu orgulho não tem arrogância nem ostentação, apenas autoestima. Eu sabia que me interessaria por Eunice apenas o tempo em que ela fosse uma pessoa nova, diferente, e isso ela conseguiria ser apenas algumas horas; durante esse tempo eu sentiria desejo, acharia graça nela. Da máquina: Glória e Honra a Jesus!, disse o Curandeiro e a mulher, que tinha uma perna tão inchada que não deixava mais ela arrumar a casa, passou a acompanhar as orações pela televisão até que um dia, de repente, levantou-se e percebeu que estava curada. Nossa irmã está curada, disse o Curandeiro, acreditou na bondade infinita de Jesus, na força do seu milagre, no poder da oração, na fé. Oremos: glorioso Deus, glorioso Pai, nossos milhares e milhares de telespectadores aguardam a cura para seus horrendos sofrimentos, em nome de Jesus ordeno que saiam dos seus corpos as doenças malignas, pelo poder da misericórdia e da compaixão, ó Jesus, pai bendito, libertai este povo que tanto tem ajudado o Pronto Socorro Divino. Imagens de Jesus, do Curandeiro, música celestial, o rosto feliz dos sofredores. Havia em Eunice alguma coisa que me afligia. Ela estava sempre tensa e infeliz; era frio o suor do seu corpo nu, apenas no momento do orgasmo eu sentia que ela superava a sua aflição, mas logo em seguida seu rosto se crispava e ela começava a chorar. A iniciativa não havia sido minha; depois que eu lhe dera os autógrafos ela permanecera em pé, no meio da sala, desajeitada e eu dissera, fique à vontade e ela perguntara onde era o quarto. Eu sentia pena dela, mas também ficava enfadado com o dramalhão de alcova que ela invariavelmente encenava nas poucas vezes em que estivemos juntos, talvez porque eu não costume sofrer desses instantâneos e fugazes sentimentos de culpa. Ir para cama com Eunice, como com todas as outras, fora algo parecido com uma viagem a uma cidade desconhecida: no princípio a gente percebe tudo, alerta, ligado, mas depois de algum tempo atravessamos a rua sem nada ver, e se vemos não sentimos, como um carteiro fazendo a entrega da correspondência. Ah, o pior de todos os venenos! Tenho vontade de voltar a fita atrás e ouvir esta gravação, mas sei que se o fizer não continuarei registrando estes acontecimentos. De qualquer forma quando terminar de ditar jogarei a fita no lixo. Eu nunca seria capaz de escrever sobre acontecimentos reais da minha vida, não só porque ela, como aliás a de quase todos os escritores, nada tem de extraordinário ou interessante, mas também porque eu me sinto mal só de pensar que alguém possa conhecer a minha intimidade. É claro que eu poderia camuflar os fatos com uma aparência de ficção, passando da primeira para a terceira pessoa, acrescentando um pouco de drama e comédia inventados etc. É isso o que muitos escritores fazem e talvez seja a razão pela qual a literatura deles é tão fastidiosa. Vejamos a minha vida, nos últimos três meses. Tento escrever uma novela sobre briga de galos, ou outras duas sobre as quais falarei em seguida, e procuro comer todas as mulheres que passam perto de mim. Evidentemente isso não basta para compor uma boa peça de ficção. O papel especial em que sempre escrevo, comprado na Casa Mattos, está em cima da mesa, e a trama já está armada dentro da minha cabeça. O protagonista é um chefe poderoso do baixo mundo (jogo do bicho, narcóticos, contrabando e prostituição) e o seu galo invencível (pedigree de cem anos), no qual ele aposta verdadeiras fortunas, dando vantagens de até dez por um. O antagonista é um pobre criador de galos da Baixada e o seu galo desconhecido, mas que ele, com sua longa experiência, considera imbatível. O velho consegue convencer parentes e amigos a se associarem numa grande aposta contra o poderoso chefão. Será uma briga mortal pois os galos usarão esporões de prata, a Arma Um. Meu prestígio de escritor e minhas pretensões exigem que a novela seja uma alegoria sobre a ambição, a soberba e a impiedade. Agora pergunto: para quem armo eu continuamente essa empulhação de seriedade e profundeza? Os meus contemporâneos? Mas desprezo todos, não tenho um só amigo e nunca vejo os conhecidos, a única vez em que estive pessoalmente com os meus editores foi há três anos atrás, entendo-me com eles por meio de cartas. Os meus contatos frequentes são apenas com as mulheres com quem mantenho relações amorosas. Mas também não é para elas que teço minha rede de mentiras, hipérboles e subterfúgios, não é sua admiração que quero. Desejo, compulsivamente, todas que passam à minha frente, e racionalizo: uma é bonita, outra é simpática, outra é poetisa, outra é boa e decente, outra é a mãe da menina que eu amo. Etc. O que fiz nestes três meses? Comi, dormi, li alguns livros, vi televisão, fui ao cinema, me envolvi com três mulheres, coisas que não interessam a ninguém, nem mesmo a mim, e no entanto aqui estou contando tudo para um objeto eletrônico, quadrado, movido a pilha. Mas jamais seria capaz de escrever sobre isto. Escreverei sobre a criação do deserto da Amazônia pelas mãos predatórias do homem, sobre o terror atômico, sobre as injustiças sociais e econômicas. Mas o papel que espere por essas verdades transcendentais mais um pouco. Agora quero continuar falando, daqui a pouco talvez esse brinquedinho me canse. Regina e Eunice me aborreciam, eu estava preparado para Sofia, esperando por ela, eu sabia que ela vinha, como a gente sabe quando o dia vai raiar, naquele instante antes do começo da claridade. Ela surgiu com a sua curta saia azul de colégio, que deixava à mostra suas pernas imaculadas. Ficamos sentados frente a frente em meu apartamento sem dizer uma palavra, até que ela perguntou: mamãe tem trinta e cinco anos, você é mais velho, não é? Eu também era mais velho do que o pai dela. Enquanto tomava coca-cola Sofia disse que passando o dia todo dentro de casa, como era o meu caso, eu não ia saber nada do que estava acontecendo lá fora, no mundo. As pessoas estavam muito doidas, era isso o que estava acontecendo lá fora, continuou Sofia. Eu sabia que ia ser naquele dia, senti-me dominado por espectrais alucinações, como os santos, e minha boca estava seca, meu Deus, ela tinha apenas doze anos, seu hálito ardente entrou pelas minhas narinas e extasiado vi o seu corpo se revelar, os pequenos seios redondos, a barriga enxuta por onde um fino fio de cabelos negros descia, até encontrar o púbis espesso de escuros pelos que me engolfou como um poço, um abismo noturno de gozo e volúpia. Depois Sofia perguntou se o sangue no lençol era dela. E perguntou também se o orgasmo era uma espécie de agonia. Parecia que tudo havia sido um sonho, meu corpo todo formigava, dormente, e minha cabeça parecia ter explodido em miríades de ínfimas partículas que pairavam no ar como um gás denso e então entendi o que o poeta chinês queria dizer ao afirmar que a mente é ampla nuvem flutuando. Não doeu nada, disse Sofia, foi bom, isso tinha que acontecer um dia, não tinha? Ordem e Progresso. Me apaixonei por Sofia como nunca estivera em toda a minha vida de amores impetuosos. Ela era uma pessoa muito pura, quando ia ao banheiro pedia para eu ficar perto dela conversando pois assim aliviaria a sua prisão de ventre, o que de fato passou a acontecer diariamente. Eu nunca pensei que acharia linda uma mulher sentada num vaso sanitário, mas era isso exatamente o que ocorria. Maria Augusta e Regina nunca me deixaram vê-las nessa situação. Passávamos, eu e Sofia, horas esmiuçando um ao outro, descobrindo a protolinguagem do corpo. A pele do ânus e da vagina de Sofia era negra, mais escura ainda do que os profusos cabelos que lhe cobriam o púbis e continuavam pelo rego das nádegas até às costas. Eu gostava de olhar e passar o dedo de leve em todos os desvãos do seu corpo, e ela fazia o mesmo comigo; ela besuntava de mel o meu rosto, e eu o rosto dela, depois íamos para a cama e um lambia o mel do rosto do outro. De onde fora ela buscar toda esta sabedoria selvagem? Eu amava Sofia, eu amava Sofia. Eu amo Sofia!, eu gritava na janela, na praia quando a paixão era tão forte que ficava insopitável. Eu era muito feliz. Passei a evitar Regina e Eunice. Soube que o pai e a mãe de Sofia bebiam muito, era comum, à noite, eles se embriagarem assistindo à televisão, sem perceberem que a filha os observava, com um pouco de pena e muito desprezo. Convenci Sofia a voltar a frequentar o colégio. Nossos encontros eram pela manhã, ou então à noite depois que os pais dormiam. Sofia queria ser muito rica quando crescesse, os ricos da imaginação dela eram iguais aos do Fitzgerald: imperturbáveis, distantes, desinteressados, nunca se excitavam, nem se encrespavam, nem se irritavam, nem se exaltavam, eram corteses, amenos, atentos, galantes. Quanto a mim, os que conheci eram gananciosos, cúpidos, aquisitivos, avaros e cobiçosos. Sofia não sabia o que era encrespar. Expliquei que era o mesmo que irritar. Sofia disse que eu falava demais, para que aquele palavreado todo? Só porque você é escritor não precisa falar assim. Engraçado, há uma certa correspondência entre o registro oral e o verbal, mas eu jamais escreveria nem se excitam, nem se encrespam, nem se irritam, isso falado ainda passa, mas escrito seria afetado e asnático, como Sofia percebeu. Querer produzir as belas-letras é tão ruim quanto querer ser coerente. Eu sou diferente a cada semana, a cada dia, sou contraditório, bruto e delicado, cruel e generoso, compreensivo e impiedoso. Essa confissão eu jamais faria por escrito, muitos ecos e rimas ginasianas. Sofia me perguntou se tivéssemos um filho qual seria o nome dele? Você não vai ter um filho, respondi. Não sei. Não vai não. Não sei. Macacos me mordam. Há dois meses que a menstruação dela não vinha. Telefonei para um laboratório e me disseram para levar a primeira urina da manhã. Resultado do exame de gravidez: Nome: Sofia. Exame: Teste imunológico para gravidez. Resultado: Positivo. Observação: Foi usado o prognosticon da Organon. Eu achava que você era velho demais e eu moça demais para a gente ter um filho. Grávida! Inferno! Macacos me mordam! Tentei refugiar-me nos poetas, imaginei suicidar-me, um velho pensamento. Por que será que os nossos dentes ficam cariados? Certamente o meu dentista riria desta pergunta. Três mulheres repartiam o meu corpo, a minha casa verdadeira, três mulheres exigiam que eu fosse um bom hospedeiro atento aos seus desejos. Ordem e Progresso. Nunca tive um filho e não quero esse tipo de escravidão. Eu conhecia um sujeito chamado José de Alencar, ele queria ser escritor mas o nome não deixava. Dois Josés de Alencar é demais, ele disse, enquanto almoçávamos na cidade, num dia quente em que havia tanta gente na rua que era impossível andar um pouco mais depressa. José de Alencar era dono de uma agência de carros usados, mas eu desconfiava que ele era contrabandista. A lei existe para te sacanear, ele disse, e por isso eu conheço todos os macetes para burlar a lei. Há uma clínica em Botafogo que é uma maravilha, a menina entra e sai e não sofre nada, é como se fizesse uma limpeza de pele, de dois meses então é uma sopa. Tim tim, bateu o copo no meu, não se preocupe, o preço é razoável, procure a enfermeira-chefe, dona Moema, pode usar o meu nome, sou velho freguês da casa. E contou suas proezas galantes, e mostrava um grande apetite e admitiu que sentia mais fome quando a comida era de graça. Ela estava grávida, um feto meu dentro da barriga, talvez já tivesse até coração, mas assim mesmo eu entrava diariamente no túnel do seu corpo e percorria os caminhos de êxtase da sua carne, macacos me mordam! Meu bobinho, ela dizia, está nascendo cabelo na tua careca, olha só. E lambia a minha testa. Passeando na praia Sofia me perguntou se eu me casaria com ela quando ela fizesse dezoito anos. Faltam seis anos, você acha muito ou pouco tempo? Muito. Ah, esse veneno! Ao voltarmos encontramos o pai de Sofia no hall do edifício. Ele estava esperando por nós e parecia embriagado. Vamos subir para o seu apartamento, ele disse rispidamente. Seus olhos estavam congestionados e ele torcia a boca exageradamente, para que eu não tivesse dúvidas quanto ao seu estado de espírito. Vez por outra enfiava a mão no bolso ameaçadoramente. O nome dele era Milcíades. Ele não havia feito a barba e parecia ter dormido com a roupa que usava. Entramos no meu apartamento e assim que fechou a porta Milcíades tirou do bolso um revólver que me apontou com a mão trêmula. Se atirasse em mim e me matasse seria por acaso. Aos gritos Milcíades disse que nos havia visto de mãos dadas na rua. Canalha, velho cínico e imoral, bradou ele, enrolando a língua. Eu deixei que ele gritasse até ficar cansado. Depois lhe disse, em muitas e repetidas palavras, que eu tratava a filha dele com o maior respeito, como se fosse um pai, o que era verdade. Ele nos examinou, a mim e a Sofia, com um astuto olhar esgazeado, e depois de algum tempo colocou o revólver no bolso do paletó e sentou-se. De qualquer forma não quero que o senhor veja mais a minha filha, ele disse, e ordenou a Sofia que fosse para casa. Fiz um gesto tranquilizador para Sofia quando ela saiu. Perguntei a Milcíades se podia oferecer-lhe um uísque. Ele hesitou um pouco e respondeu, com voz mais suave e conciliadora: com gelo. Preparei uma dose dupla para ele e outra para mim, sentei-me ao seu lado e ficamos bebendo em silêncio. Ele só voltou a falar quando tomava o quarto uísque. É do legítimo, disse Milcíades, levantando o polegar da mão que segurava o copo e derramando líquido na roupa. E depois, fazendo uma cara que parecia a de um velho cão sarnento abandonado, disse: confio no senhor. Ele estava dormindo, de boca aberta, sentado no sofá, quando Sofia e Eunice chegaram. Elas tentaram levantá-lo, mas Milcíades era um homem gordo e grande e o esforço das duas de nada adiantou. Afinal, com minha ajuda, conseguimos levá-lo para casa e colocá-lo na cama. Tirei os seus sapatos e o paletó com o revólver. Ela foi criada com tudo que uma menina precisa, disse Milcíades com sua voz pastosa e logo começou a ressonar tranquilamente. Eunice perguntou se eu queria beber alguma coisa. Recusei dizendo que já havia bebido demais. Eunice não queria que eu fosse embora, fez questão que eu me sentasse um pouco, na sala de poltronas de plástico. Num canto uma televisão colorida; não havia quadros nas paredes. Vá deitar, disse Eunice para Sofia. Não, não vou, disse Sofia, sentando-se ao meu lado. Sua mãe está mandando!, gritou Eunice. Logo as duas se empenharam numa discussão violenta e cruel que me encheu de desgosto. Levantei-me e quando viram que eu me retirava pararam a discussão, envergonhadas, talvez, e me pediram que não fosse embora. Saí com o coração pesado e passei a noite lendo. Storr: muitos especialistas que examinaram o problema de crianças seduzidas ou que tiveram contato sexual com adultos concluíram que os danos emocionais por elas sofridos resultaram do horror dos mais velhos que tomaram conhecimento do fato e não de algo intrinsecamente assustador no contato sexual. Kinsey : alguns dos mais experientes estudiosos dos problemas juvenis concluíram que as reações dos pais, autoridades policiais e outros adultos podem prejudicar a criança muito mais do que os contatos sexuais em si. Storr: em muitos casos, em que ocorreram repetidos contatos sexuais entre o adulto e a criança, esta mostrou-se ativamente interessada em continuar os contatos e não apresentou distúrbios ou outras anormalidades, até ser descoberta e recriminada. Tais crianças possuem personalidade agradável e têm grande aptidão para contatos pessoais. Não estou gravando isso para me justificar. Não sei, estou muito confuso, sinto que estou escondendo coisas de mim, eu sempre faço isso quando escrevo mas nunca pensei que o fizesse falando em segredo com esta fria maquineta. Ontem ocorreram aqueles episódios desagradáveis com o pai e a mãe de Sofia. Hoje eu ainda não os vi. De manhã eu e Sofia fomos de carro à clínica em Botafogo. Sofia cantava, acompanhando a música do carro: são as trapaças da sorte, são as traças da paixão. Macacos me mordam. Na sala da clínica estavam seis mulheres, sendo quatro muito jovens, e dois homens, que nos olharam em silêncio quando chegamos. Uma atendente convocou logo depois as mulheres, que foram conduzidas por uma porta, como se fossem prisioneiras. Perguntei pela enfermeira-chefe. Ela demorou uns dez minutos para aparecer e levou-nos para uma salinha. Moema era magra, brusca, de voz estridente. Que idade ela tem? Respondi: dezesseis. Moema disse que Sofia parecia ter menos, mas que de qualquer forma o médico não operava pessoas com menos de dezoito anos. Que diferença faz entre dezesseis e dezoito? Sou amigo do José de Alencar. Moema me olhou com frieza e disse que somente o diretor da clínica poderia resolver o problema. Quem fazia aborto numa garota de dezoito anos fazia numa de dezesseis, quem fazia numa de dezesseis fazia numa de quatorze, quem fazia numa de quatorze fazia numa de doze. Afinal surgiu o diretor. Era um homem gordo, enorme, vestido de branco. Apresentei-me a ele dando um nome falso. Quantos anos ela tem?, perguntou ele, com aspereza. Dezesseis. Ele riu, os lábios grossos e úmidos brilhantes puxados para baixo e disse num tom peremptório: ela não tem dezesseis anos. Se tivesse o senhor a operaria?, perguntei. Talvez, ele disse, dando uma volta sobre os calcanhares, como se fosse um pião. Seus pés pequenos, e suas pernas finas pareciam incapazes de equilibrar o seu tronco rotundo, mas ele movia-se rápido e até com certa graça feminina. Se ela tivesse dezesseis anos os riscos para a saúde da paciente seriam menores e ele não queria meter–se em confusões operando uma menina de onze anos. Ela tem doze anos, corrigi, involuntariamente. E o senhor com essa cara pierrotesca querendo me fazer de trouxa, disse ele rindo. Ela tem uma saúde de ferro, eu disse, relevando o doesto, envergonhado. Ele continuou rindo, balançando a imensa barriga, um riso baixo e musical, Boris Godunov. Seus dentes eram amarelados de nicotina; ele salivava nos cantos da boca e com a língua, uma língua pequena e achatada como a de um gato, espalhava a saliva pelos lábios polpudos. Nós não podemos ter esse filho, doutor, eu disse humilde. Boris parou de rir e encostou o rosto no meu. Sua pele era cheia de pequenos buraquinhos como se ele tivesse sofrido um surto brando de varíola. Por que não usou pílula, diafragma, camisinha, diu, coitus interruptus? Fazem besteira e depois vêm correndo para cá. É um pobre país este, cinco milhões de abortos por ano. Macacos me mordam. Nós não podemos ter esse filho, repeti desanimado. Boris perguntou minha idade e quando eu disse notei que ele me olhou com mais simpatia. Mesmo assim não abandonou o seu estilo injurioso: mais pra lá do que pra cá, hein? Eu amo esta menina. Ah, o amor, o amor, sentenciou Boris. Tudo tem um ônus, um preço, um imposto, uma carga, um gravame. Peguei Sofia pelo braço, para irmos embora. Ela permanecera calada; creio que em alguns momentos divertiu-se com a figura de Boris. Vexame, ele entoou, há sempre um vexame à nossa espera. Mas o senhor tem sorte, farei esta loucura, deve ser a sua cara de parvo que me comove. Quero dinheiro em espécie, dona Moema lhe dirá quanto é. E saiu deslizando sobre os seus sapatos brancos de pelica. Pedi a dona Moema que tratasse bem de Sofia. Olhei as duas desaparecendo por uma porta. As costas de Sofia eram tão delicadas e frágeis! Meus olhos se encheram de lágrimas. Felizmente a visão dos seus vigorosos músculos glúteos, contidos pela calça lee, amainou um pouco a minha dor e o meu medo. Ainda por cima eu não tinha o dinheiro que Boris me pedira. Onde conseguir aquela quantia? Liguei para o meu editor, mas não consegui localizá-lo. Macacos me mordam. Os amigos devem servir para estas horas, mas eu não tinha amigos. Liguei para Regina. Combinamos um encontro na agência do banco. Eu não disse para que era o dinheiro, nem ela perguntou. Eu te pago, assim que localizar o meu editor eu te pago. Devo ter repetido isto várias vezes pois ela me advertiu irritada: pare de me tratar como se eu fosse um gerente de banco, seu idiota. Voltei correndo para a clínica e entreguei o dinheiro a dona Moema, que me disse que Sofia estava passando bem e dormia. Sentei-me numa sala de espera e pela primeira vez na minha vida, vendo retrospectivamente (na hora não notei), consegui esvaziar a minha cabeça de qualquer pensamento, como se o meu cérebro tivesse sido arrancado e dentro do meu crânio restasse um espaço vazio. Foi um tempo infindável. Então Moema surgiu com Sofia. Ela estava muito pálida, os lábios cinzentos. Ela está bem, disse Moema. Não se esqueça de seguir as recomendações médicas. Quando chegamos no carro dei a Sofia as flores que eu não tivera coragem de entregar na frente de dona Moema. Adoro rosas amarelas, disse Sofia. Logo ela dormiu com o buquê de rosas no colo enquanto eu dirigia com cuidado pelas ruas cheias de carros. Aos poucos minha cabeça começou a se povoar de pensamentos: os telefonemas silenciosos, Boris, a briga de galos, Maria Augusta, meu editor, o Curandeiro da televisão, Eunice, Regina. Abri as janelas do carro e respirei fundo. O que estou fazendo também agora, várias vezes. Combinei com Sofia que ela chegaria em sua casa e diria que estava com muita dor de cabeça e iria direto para a cama. A lavagem de amanhã e todas as outras ela fará aqui, já estou com o clister e os remédios. O telefone toca várias vezes. Nada mudou, nada vai mudar. Macacos me mordam.

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