Rebelde precoce – artigo de Zuenir Ventura

Com certeza por ciúmes do irmãozinho Eric, mas também provavelmente por influência dos protestos de rua, minha neta Alice, a dois meses de completar 4 anos, tem estado muito rebelde — malcriada, desobediente, respondona. Respeito que é bom, nada, pelo menos em relação a mim. Faz caretas com a língua de fora — “brruuuu” — e só falta me vaiar. Acho que tudo piorou depois que o Papa, fazendo apologia da contestação, anunciou que “um jovem que não protesta não me agrada”. Ela deve ter visto na TV e resolveu seguir o evangelho segundo Francisco.

Ainda ontem, brincando com ela de massinha de modelar, confundi a figura de um cachorro com a de um cavalo, uma confusão que eu julgava natural na minha idade. Pra quê? “Você só faz bobagem”, ela me recriminou e eu fiquei tentando me lembrar se algum dia ousei falar assim com meu avô.

Quando tento uma gracinha, em vez de provocar risos, recebo gozação: “Vovô Zu é bobo!” “Tive uma ótima ideia”, ela diz e, diante de minha curiosidade para saber qual era, exibe seu preconceito feminista: “Não adianta, homem não sabe nada.” Essa impaciência se manifesta também toda vez que não consigo aprender a lidar com o Ipad, que ela domina.

No meu tempo, criança não tinha mau humor, que era coisa de adulto. Já Alice tem acordado mal-humorada, ou porque não dormiu bem ou por motivos não revelados. “Estou irritada e hoje não quero conversa com ninguém”, limita-se a responder. A única maneira que descobri para romper esse gelo não é recomendada, porque se trata de suborno.

Como, além de gênio, ela é interesseira, apelo: “Pena você não querer conversa porque tinha um presente-surpresa pra você.” Ela vem correndo e eu dou escondido o biscoito de chocolate que ela adora e que o pai proíbe fora de hora. Uma amiga politicamente correta se escandalizou: “Isso é corrupção!”, me recriminou, e eu a provoquei: “Estou preparando ela para a vida lá fora.” Enfim, já vejo o dia em que, repetindo o ronco das ruas, minha neta vai chegar exibindo para mim o cartaz: “Você não me representa.” Aí eu chamo a polícia.

Preocupada com esse estado de ânimo de Alice, Mary resolveu recorrer à sua amiga Lucia, que a tranquilizou, informando que Lucinda, um ano mais velha, também passou por essa fase. Aliás, continua. É a chamada fase “monstro”. Se não se percebe isso nas crônicas-exaltação do Veríssimo abordando o tema, é que esse deslumbramento irrestrito parece que é comum nos avôs de idade mais avançada.

Tenho muito medo de chegar lá assim.

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