“Empresa japonesa constatou que aparelhos com sensor de radiação infravermelha captam imagens sob as roupas. Câmeras de raio X são retiradas do mercado.”
Mundo, 13 ago. 1998
Tudo o que ele esperava de sua câmera era que gravasse – com alguma sofisticação, talvez – cenas banais, do cotidiano. Mas, de repente, não era só aquilo. De repente, estava vendo com o olhar de raio X, que a ficção atribuiu ao Super-Homem, as peças íntimas das pessoas. Camisetas, cuecas samba-canção, calcinhas, sutiãs, agora sabia exatamente o que usavam, sob a roupa, os amigos, os conhecidos, os colegas de trabalho. Não contou para ninguém, claro.
Mas era com certo constrangimento que registrava essas imagens inesperadas. Rapaz tímido, não era dado a tais ousadias. Contudo não renunciaria à sua câmera. Afinal, ela representava o progresso e, mais do que isso, a porta de entrada para um universo de fantasias ilimitadas.
Um dia descobriu a vizinha.
Por fora, era uma moça de aparência comum, nem bonita nem feia. Simpática, sim – cumprimentava-o com um sorriso –, mas nada de excepcional em termos de figura feminina. Mas isso só exteriormente. Porque, sob o vestido, ele descobria algo inesperado. Em termos de roupas íntimas, a ousadia dela não conhecia limites. As calcinhas, por exemplo, ultrapassavam tudo o que os sex shops apregoam como peça íntima afrodisíaca. Uma delas tinha, desenhada em local estratégico, uma boca semiaberta, de lábios escarlates, uma boca desejosa de sexo. Constatando que ele a olhava, a moça passou a encorajá-lo com olhares aliciantes e sorrisos brejeiros. Acabou convidando-o para ir ao apartamento. Lá, entre uma bebida e outra, perguntou-lhe por que ele se interessava tanto por ela. Ele hesitou, mas – não sabia mentir – acabou contando a história da câmera mágica. Ela arregalou os olhos, pôs-se a rir.
– Mas, então, era isso! Não posso acreditar!
Levantou-se, pediu licença, entrou no quarto e voltou – completamente nua.
– Pronto – disse, sorridente. – Agora você não precisa mais de câmera. Agora você tem a realidade.
Ele mirou-a. Consternado. O corpo que via ali, um apenas razoável corpo de mulher, em nada correspondia às suas expectativas. Preferiria mil vezes o que tinha visto com a ajuda da câmera.
Foi embora e nunca mais voltou. Quanto a ela, anda pela rua triste, deprimida. É o castigo da nudez explícita que recusa o disfarce da fantasia.