Viés – Crônica de Moacyr Scliar

“EUA mantêm juros, mas com viés de alta.”
Dinheiro, 19 mai. 1999
“Juro cai para 23,5%; viés de baixa continua.”
Dinheiro, 20 mai. 1999

Ele a olhava com viés de baixa. Ela o olhava com viés de alta.

Ele a olhava com viés desenvolvimentista. Ela o olhava com viés monetarista.

Ele a olhava com viés “um pouco de inflação não faz mal”. Ela o olhava com viés recessivo. Ele a olhava com viés telescópico. Ela o olhava com viés microscópico.

Ele a olhava com o viés olímpico da utopia. Ela o olhava com o viés labiríntico do mercado.

Ele a olhava com viés histórico. Ela o olhava com viés contábil.

Ele a olhava, no mínimo, com viés Keynes, e em momentos de maior desespero, recorria até ao viés Marx. Ela o olhava com o viés Milton Friedman (e escola de Chicago).

Ele a olhava com viés “con los pobres de la tierra quiero yo mi suerte echar”. Ela o mirava com viés “business is business, my friend”.

Ele a olhava com viés bandeiras ao vento. Ela o olhava com viés gráficos e tabelas. Ele a olhava com viés romântico, mas admitindo o moderno. Ela só o olhava com viés pós- moderno.

Ele a olhava com viés filme iraniano, ou seja, arte. Ela o olhava com viés George Lucas, ou seja, bilheteria.

Ele se desesperou; será que nunca vamos nos olhar com o mesmo viés, perguntou, em tom de súplica. Eu não posso mudar meus olhos, respondeu ela. Nem eu posso mudar os meus, replicou ele. Mas eu tenho aqui uns óculos que compatibilizam o viés, disse ela. Eu quero estes óculos, disse ele, esperançoso. Eu vendo estes óculos, disse ela, mas você pode fracionar o preço em várias parcelas, com juros. Felizmente os juros estão com viés de baixa, disse ele. Mas nos Estados Unidos estão com viés de alta, disse ela.

Ele a olha com viés desconsolado. Ela o olha com viés implacável.

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