Zezinho e o Coronel – Crônica de Stanislaw Ponte Preta

O Coronel Iolando sempre foi a fera do bairro. Quando a patota do Zezinho era tudo criança, jogar futebol na rua era uma temeridade, porque o Coronel, mal começava a bola a rolar no asfalto, saía lá de dentro de sabre na mão e furava a coitadinha. Teve um dia que Zezinho vinha atacando pela esquerda e ia fazer o gol, quando o Coronel da Polícia Militar, naquele tempo ainda capitão, saiu e cercou o atacante, de braços abertos. Parecia um beque lateral direito, tentando impedir o avanço adversário. Por amor ao futebol, Zezinho não resistiu, driblou o garboso militar e entrou no gol com bola e tudo.

Ah! rapaziada… foi fogo. O então Capitão Iolando ficou que parecia uma onça com sinusite. Ali mesmo, jurou que nunca mais vagabundo nenhum jogaria bola outra vez em frente de sua casa. E, com a sua autoridade ferida pelo drible moleque do Zezinho, botou um policial de plantão em cada esquina, durante meses e meses. No bairro havia assalto toda noite, mas o Coronel preferia botar dois guardas chateando os garotos a deslocá-los da esquina para perseguir ladrão.

Isto eu só estou contando para que vocês sintam o drama e morem na ferocidade do Coronel Iolando.

Prosseguindo: ninguém na redondeza conseguia entender como é que aquele frankenstein de farda podia ter uma filha como a Irene, tão lindinha, tão meiga, tão redondinha. E entre os que não entendiam estava o mesmo Zezinho, cuja patota, noutros tempos, batia bola na rua. Muito amante da pesquisa, Zezinho foi devagarinho pro lado da Irene. Primeiro um cumprimento, na porta do cinema, depois um papinho rápido ao cruzar com ela na porta da sorveteria e foi-se chegando, se chegando e pimba… desembarcou os comandos. Quando a Irene percebeu, estava babada por Zezinho. Se ele quisesse ela seria até o chiclete dele. Claro, o namoro foi sempre à revelia do Coronel Iolando, que não admitia nem a possibilidade de a filha olhar pro lado, quanto mais para o Zezinho, aquele vagabundo, cachorro, comunista.

Sem paqueração não há repressão. O pai não sabia de nada e a filha foi folgando, até que — chegou um dia, ou melhor, chegou uma noite — a Irene tinha saído para ir à casa da Margaridinha, de araque, naturalmente, e na volta, depois de ficar quase duas horas agarrada com Zezinho debaixo de uma jaqueira, na segunda transversal à direita, permitiu que o rapaz a acompanhasse até o portão. Coincidência desgraçada: o Coronel Iolando estava-se preparando para sair e ir comandar um batalhão no combate à passeata de estudantes. Chegou à janela justamente na hora em que Irene e aquele safado chegavam ao portão. Tirou o trabuco do coldre e desceu a escada de quatro em quatro degraus, botando fumacinha pelas ventas arreganhadas. Parecia um búfalo no
inverno.

Não deixou que o inimigo abrisse a boca. Berrou para Irene:

– Entre, sua sem-vergonha — e a mocinha escafedeu-se.

Virou-se para o pobre do Zezinho, mais murcho que boca de velha, ali encolhidinho, e agarrou-o pelo cangote, suspendendo-o quase a um palmo do chão, e o rapaz ia até dizer “Coronel, o senhor tirou o chão de baixo de mim”, pra ver se com a piadinha melhorava o ambiente, mas não teve tempo:

— Seu cretino — berrou Iolando — está vendo este revólver?

(Zezinho estava)

— Pois eu lhe enfio o cano no olho e descarrego a arma dentro da sua cabeça, seu cafajeste. Está entendendo?

(Zezinho estava)

— E vou lhe dizer uma coisa: está proibido de continuar morando neste bairro. Amanhã eu irei pessoalmente à sua casa para verificar se o senhor se mudou, está ouvindo?

(Zezinho estava)

— Se o senhor não tiver, pelo menos, a cinqüenta quilômetros longe desta área, eu passarei a enviar uma escolta diariamente à sua casa, para lhe dar uma surra. Agora suma-se, seu inseto.

O Coronel soltou Zezinho, que, sentindo-se em terra firme, tratou de se mandar o mais depressa possível. O Coronel, por sua vez, deu meia-volta, entrou em casa, vestiu o dólmã e avisou à filha que quando voltasse ia ter.

O Coronel Iolando foi cercar os estudantes na passeata, houve aquela coisa toda que os senhores leram nos jornais e, quando retornou ao lar, encontrou a esposa muito apreensiva:

— Não precisa ficar com esse olhar de coelho acuado, sua molenga — avisou Iolando: — Eu só vou dar uns tapas na sem-vergonha da nossa filha.

— Eu não estou apreensiva por isso não, Ioiô (ela chamava o Coronel de Ioiô). Eu estou com pena é de você.

— De mim??? — o Coronel estranhou.

— É que a Irene e o Zezinho saíram agora mesmo para casar na igreja do Bispo de Maura. Deixaram um abraço pra você.

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