Furto de flor – Crônica de Carlos Drummond de Andrade

By | 04/08/2017

Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.

Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida.

Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.

Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar para o médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.

Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me.

– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!

Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Rio de Janeiro, José Olympio, 1985. p. 80.

10.854 Visualizações

2 thoughts on “Furto de flor – Crônica de Carlos Drummond de Andrade

  1. Letícia Luiza

    Tanta beleza, sensibilidade e sabedoria contidas em tão poucas palavras…
    Obrigada por disponibilizar!

    Reply
  2. Cleide Ferreira

    Por favor preciso de uma crônica de Carlos Drummond para um trabalho.

    Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *