Pescaria de barco – Crônica de Rubem Braga

By | 04/08/2013

Às seis horas apontamos a proa para a ilha Raza e às doze e meia já estávamos de volta. Foi uma pescaria curta e modesta, pois trouxemos apenas um dourado de dez quilos que o patrão do barco fisgou, eu ajudei a tentear e Chico Brito puxou com o bicheiro.

Não o choreis. Era na verdade lindo, a correr e saltar na água azul, todo verde e dourado e azul; lutou pela vida, foi bravo e morreu. Não o choreis: era um belo animal cruel e, além disso, guloso. Quando foi aberto o seu buxo, havia dentro dele várias sardinhas e vários baiacus, todos abocanhados inteiros, alguns evidentemente há bem pouco tempo. Ele estava, portanto, de barriga cheia, e com uma grande parte da digestão por fazer; se engoliu nossa modesta sardinha não foi por fome e sim por mania predatória. Como somos democráticos e defensores dos fracos e pequenos, choramos as sardinhas e baiacus. Quanto ao dourado o dividimos em postas e o almoçamos tranquilamente, ao som de um vinho branco Santa Rita, devidamente chileno. Após o que deitei-me, na minha branca e cearense rede, cuja varanda é bordada de leões, e cochilei cerca de meia hora, a sonhar vagamente com minha amada e com o mar.

Enfim, tudo isso são prazeres que um intelectual modesto pode usufruir em um país subdesenvolvido a esta altura do século, após trinta anos de labor relativamente honesto. Nos prazeres referidos não vai incluída a amada, que, por desamante, antes seria motivo de melancolia; mas, se sua presença é esquiva, sua lembrança às vezes é doce, principalmente quando servida com peixe, vinho e rede.

Como o leitor está vendo, ao fim de tudo isso deixei a rede e abri a máquina de escrever. Aqui estou. Que poderia contar além da minha pequena experiência pessoal do dia de hoje? Não sou homem de inventar coisas, mas de contá-las. Seria preciso talvez dar-lhes um sentido, mas não encontro nenhum.

As coisas, em geral, não têm sentido algum.

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