De como não ler um poema – Mario Quintana

By | 30/04/2022

Há tempos me perguntaram umas menininhas numa dessas pesquisas, quantos diminutivos eu empregara no meu livro A rua dos cata-ventos.

Espantadíssimo, disse-lhes que não sabia. Nem tentaria saber, porque poderiam escapar-me alguns na contagem. Que essas estatísticas, aliás, só poderiam ser feitas eficientemente com o auxílio de robôs. Não sei se as menininhas sabiam ao certo o que era um robô. Mas a professora delas, que mandara fazer as perguntas, devia ser um deles.

E mal sabia eu, então, que estava dando um testemunho sobre o estruturalismo — o qual só depois vim a conhecer pelos seus produtos em jornais e revistas. Mas continuo achando que um poema (um verdadeiro poema, quero dizer), sendo algo dramaticamente emocional, não deveria ser entregue à consideração de robôs, que, como todos sabem, são inumanos.

Um robô, quando muito, poderá fazer uma meticulosa autópsia — caso fosse possível autopsiar uma coisa tão viva como é a poesia.

Em todo caso, os estruturalistas não deixam de ter o seu quê de humano…

Nas suas pacientes, afanosas, exaustivas furungações, são exatamente como certas crianças que acabam estripando um boneco para ver onde está a musiquinha

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