Estrela – Cecília Meireles

By | 19/04/2022

Quem viu aquele que se inclinou sôbre palavras trémulas,
de relêvo partido e de contôrno perturbado,
querendo achar lá dentro o rôsto que dirige os sonhos,
para ver si era o seu que lhe tivessem arrancado?
Quem foi que o viu passar com sues ímãs insones,
buscando o polo que girava sempre no vento?
— Seus olhos iam nos pés, destruindo tôdas as raízes líricas,
e em suas mãos sangrava o pensamento.
E era o seu rôsto, sim, que estava entre versos andróginos,
prêso em círculos de ar, sôbre um instante de festa!
Bôca fechada sob flores venenosas,
e uma estrêla de cinza na testa.
Bem que êle quis chamar pelo seu nome em voz muito alta,
— mas o desejo não foi além do seu pescoço.
E ficou diante de sua cabeça, estruturando-se
como o frio dentro de um pôço.
E não poude contar a ninguém seu fim quimérico.
A ninguém. Pois a língua que fôra sua estava morta,
e êle era um prisioneiro entre paredes transparentes,
entre paredes transparentes, mas sem porta.
Disto êle soube. O que nunca entendeu, porém, e o que lhe amarra
o coração com ardents cordas de desgôsto
é aquela estrêla de cinza — aquela estrêla grande e plácida —
derramando sombra em seu rôsto.

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