Lambretismo – Crônica de Carlos Drummond de Andrade

– Legal — exclamou o lambretista do Posto 6, quando lhe contei que no Bairro de Fátima se fundara a Associação de Lambretistas. — Agora não estamos abandonados em meio à população hostil, sem ninguém que puna pelos nossos direitos.

Mas é sindicato, no duro?

– Isso também não. É um grêmio recreativo, cultural, assistencial, uma espécie de clube, como há milhões.

– Então não resolve. Em todo caso, tem carteirinha?

– Claro.

– Quantos por cento no cinema: noventa?

– Não sei.

– Vai ver que é a mesma tabela de estudante, uma micharia. Com Os amantes a cinquenta pratas, como é que pode?

– Bem, é um detalhe.

– Detalhe, vírgula. Vocês velhinhos vivem se queixando de que nós fazemos barulho. Quando a gente vai ao cinema, o barulho descansa, então por que não dão entrada de graça pra gente? É negócio.

– Talvez.

– Outro troço que essa associação deve resolver: uma garaginha no cinema, para lambretas. Não temos a menor garantia. Se vivem furtando carro, imagine o que não acontece com as nossas maquininhas!

– Mas você acha que o dono do cinema deve arcar com essa despesa?

– E o senhor acha que a turma pode ir ao cinema sossegada, sabendo que lá fora está assim de aspirante a lambretista, de olho em nossas lambretas? Ou quer que nós entremos de lambreta na sala de projeção? Se quer, eu entro.

– Não faça isso.

– Não faça isso, né? Então tome conta da bichinha. É porque o senhor não sabe o trabalho que dá ter lambreta. O sacrifício que custa.

– Avalio. A começar pelo preço.

– Preço é o de menos. Pai tem obrigação, não tem? Falo é na chateação que dá pra gente. Rapaz de lambreta não tem folga. A tal da associação precisava cuidar também da educação das garotas.

– Como é?

– Deviam ser proibidas de avançar, tudo tem limite! Minha lambreta é uma só, não dá vazão. Tem dias que o cara gosta de passear sozinho, só espiando, não deixam. Não é bafo não, estou falando sério.

– Ora, vocês deviam ficar satisfeitos com isso.

– É porque o senhor não tem lambreta. E sabe da maior? Muitas só querem mesmo é condução. Aquela animação toda, aquele rebolado, vai ver: é golpe. Carona para o colégio, até para a missa da tarde na igrejinha, tá bom?

– Jovem, olhe o Banco da Providência, que custa dar um lugar na sua lambreta?

– Vou pensar nisso. Mas antes tenho de pensar na defesa da classe. Em primeiro lugar, seguro contra acidentes. Pedestre é um perigo! Já não falo nesses automovinhos que andam por aí, botando banca e metendo os peitos. Temos de reivindicar nosso espaço vital nas ruas e nas áreas de estacionamento. O automóvel está superado. Hoje é lambreta ou lunique.

– Outras ideias?

– Fundar o Partido Lambretista Brasileiro e apresentar candidatos a todos os postos, eletivos ou de nomeação, a começar por estes. Sem representação e participação do lambretismo na vida nacional, este país não sai do subdesenvolvimento. Será que a associação está à altura deste programa?

– Não garanto. Sei é que, no programa divulgado pelos jornais, tem um item assim: Procurar convencer os lambretistas de que as lambretas não devem, normalmente, trafegar depois das 22 horas…

– Palhaços!

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