O velho era um alto funcionário do Tesouro.
Quando o filho apareceu dizendo que queria casar, seu Daniel ergueu-se.
Esfregando as mãos, fez uma série de considerações gerais, inclusive esta:
— Faz bem, meu filho. — E acrescenta em tom profundo: — É a lei da natureza, da qual não podemos fugir.
E, súbito, faz a pergunta:
— Que tal a mãe da tua pequena?
Admirou-se:
— Por que, papai?
E o velho:
— Meu filho, é o seguinte: eu aprendi que uma boa mãe resulta numa boa filha. Digamos que tua futura sogra seja uma esposa cem por cento fabulosa. Tua pequena também o será. Compreendeste? Batata, meu filho, batata.
Edgar atrapalha-se:
— Bem, papai. Que eu saiba, minha sogra é uma senhora seriíssima. Nunca vi, nem ouvi, nada de mais, nem de menos.
Seu Daniel pôs-lhe a mão no ombro:
— Se é assim, ótimo. Mas apura primeiro. E não te esqueças: num casamento, o importante não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos da própria mãe.
O SOGRO
Edgar saiu dali sob uma impressão profunda. No ônibus lotado, segurando numa argola, vinha pensando: “Ora veja! Que teoria! Que mentalidade!”. Sempre ouvira do pai, a propósito de tudo, e de qualquer assunto, as opiniões mais inesperadas e extravagantes. O velho passara na família por original ou, mais propriamente, por maluco. Ao descer do ônibus, rumo à casa da namorada, quase noiva, resumiu: “Papai é um número: uma bola”. Todavia, ao apertar, pouco depois, a mão da futura sogra, olhou-a com uma curiosidade nova. D. Mercedes, de origem espanhola, era uma senhora de quarenta anos, conservada, bem-feita de corpo e com um olhar de uma doçura muito viva. Durante todo o tempo que permaneceu lá, Edgar pergunta de si para si mesmo, numa obsessão: “Será que ela traiu?”. Procurava com os olhos o sogro, que ele achava, textualmente, um “grande praça”. Chamava-se Wilson e era um velho barrigudo e divertido, mas duma grande saúde interior. Coincidiu que, nessa noite, surgisse na casa uma discussão sobre fidelidade masculina. Uma garota da vizinhança, muito petulante, afirmava: “O homem fiel nasceu morto! Não acredito em homem fiel!”. Então, seu Wilson gritou: “Protesto!”. Todos os olhares se fixaram nele. O velho ergueu-se, patético:
— Juro, ouviu? Juro pela alma do meu filho que morreu que nunca traí minha mulher, nunca!
Dizia isso com os olhos rasos d’água.
TEORIA
O filho a que seu Wilson se referia morrera tempos atrás, atropelado, com a idade de nove anos. Fora um golpe medonho para o velho. E, quando ele jurava pela criança morta, todos acreditavam piamente. No dia seguinte, Edgar passou na casa do pai para contar-lhe o episódio. Seu Daniel ouviu tudo, atentamente. Quando o filho acaba, ele rosna: “Espeto, espeto!”. Edgar toma um susto: “Ué!”. Então, o velho explica:
— Digo espeto pelo seguinte: num casal, há fatalmente um infiel. Ou a mulher ou o marido. A existência de uma vítima é inevitável, percebestes?
O filho pôs as mãos na cabeça:
— Tem dó, papai, tem dó! Pelo amor de Deus! Então, o senhor está insinuando o quê? Que é preciso trair para não ser traído?
E o velho:
— Exatamente. Isso pode não ter lógica, mas infelizmente é a verdade. E se teu sogro é o fiel da casa, não ponho a mão no fogo pela tua sogra. Repara que os maiores canalhas são amadíssimos.Desta vez, o filho perdeu a paciência:
— Ora, papai, ora! Que espírito de porco o senhor tem! Isso é raciocínio que se apresente?
Seu Daniel suspirou:
— Se você não quer acreditar, paciência. Lavo as minhas mãos!
OS NOIVOS
Passou. Dias depois, seu Daniel, sob a pressão do filho, ia à casa de Eduardina fazer o pedido oficial. Ficaram noivos. Ao voltar, mais tarde, Edgar num entusiasmo delirante, pergunta ao pai:
— O senhor não acha que eu tive gosto, papai? A Eduardina não é uma pequena e tanto? Não é?
O velho coça a cabeça:
— Estou na dúvida, percebeste? Estou na dúvida. Pra te ser franco, não sei qual é melhor: se tua noiva, se tua sogra. Te juro que não sei! Páreo duríssimo entre as duas!
Surpreso e inquieto, Edgar quer saber: “Mas o senhor acha que há comparação?”.
Seu Daniel esfrega as mãos, numa satisfação gratuita e profunda:
— Acho. Vou te dar outro palpite indigesto, meu filho, um palpite que não vais gostar. É o seguinte: não te aproximes muito de tua sogra. Fica de longe. Tua sogra é um perigo, um autêntico abismo!
O filho esbugalha os olhos:
— Que idéia o senhor faz de mim, papai? O senhor pensa que eu não tenho sentimento de família? De honra? Dignidade?
Seu Daniel interrompe friamente:
— Eu penso, meu filho, que tu és um homem. E qualquer homem, diante de uma mulher como a tua sogra, pode dar com os burros n’água!
AS CARTAS ANÔNIMAS
Fosse como fosse, as palavras do seu Daniel produziram no filho um sentimento curioso, misto de fascinação e de nojo. Nem dormiu direito: e, pela primeira vez, teve medo de que as sugestões do pai o contaminassem. Procurou evitá-lo, tanto mais que o velho sempre que o via piscava o olho e cutucava: “Como vai a tua sogra?”. Nem respondia, com medo de explodir num desaforo pesado. Fazia, de si para si, uma reflexão que re-pugnava à sua natureza sentimental: “Acabo odiando o meu pai!”.
Um dia, recebe em casa uma carta anônima, a primeira de sua vida. Lê, relê o papelzinho ignóbil. Lá dizia sumariamente: “Rapaz, desmancha teu noivado e dá em cima da tua sogra. Tua sogra é duzentas vezes melhor do que tua noiva”. O tom ordinaríssimo, a sordidez infinita, tudo na carta o alucinava. Interessante é que, desde o primeiro momento, teve a certeza inapelável, definitiva, da identidade do remetente.
Voou para o Tesouro, fora de si.
Com um ar de louco, exibe a carta infame. Pergunta, com a voz estrangulada:
“Foi o senhor que escreveu isso? Responda, meu pai! Foi o senhor?”. Falava surdamente para que as outras pessoas não ouvissem. Seu Daniel, pálido, não respondeu. Ele insiste: “Seja homem, meu pai! Foi o senhor?”. Seu Daniel responde, afinal: “Fui”. O filho arqueja: “Por quê?”. O velho apanha um cigarro:
— Fiz isso em teu benefício. É a minha opinião, ouviste? Tua sogra só oferece vantagens. Tua noiva, não. Tua noiva pode ser a tua morte. E das duas uma: ou ela vai te trair ou já está traindo.
Edgar ergueu-se, quase chorando:
— Meu pai, guarde bem a palavra que eu vou lhe dizer: o senhor é um canalha, meu pai!
FINAL
Como conseqüência do incidente, saiu de casa, passou a viver num hotel. Não fez nenhum segredo do rompimento. Avisou à noiva, à sogra, ao sogro, a todo mundo: “Pra mim, meu pai está morto, enterrado! E nem admito que ele assista ao meu casamento!”.
Pois bem. Uma tarde, está no emprego, quando o chamam no telefone. Era a sogra, espavorida: “Venha, já, já, aconteceu uma desgraça!”. Dez minutos depois, ele chegava. Assim que o viu, a sogra, aos soluços, deu-lhe a notícia:
— A Eduardina fugiu! E com o teu pai! Fugiu com o teu pai!
Estava presente toda a família da garota. A primeira reação de Edgar foi uma espécie de vertigem. Suas pernas dobraram, sua vista ficou turva. Súbito, ele serecupera. Experimenta uma feroz e obtusa necessidade de vingança, de compensação. Arremessa-se como um tigre, um abutre, um javali, sobre a sogra. Agarra-a. Quer beijá- la na boca.
O sogro teve que lhe dar uma bengalada.