Os Windsor se Esqueceram – Crônica de Carlos Drummond de Andrade

Confesso que até hoje pela manhã nutria secreta esperança de ser convidado para o casamento da princesa Margaret Rose, mas a chegada do carteiro, que trouxe apenas o boletim de propaganda da embaixada do Japão, dissipou completamente essa veleidade. Bem que esperei dois meses, dentro da maior discrição, nada confidenciando aos mais íntimos. Os Windsor não deixarão de ter essa delicadeza, pensava comigo. Mas a poucas horas das bodas, e já sem tempo para tirar certidão negativa do imposto de renda e visar passaporte na Polícia Marítima, devo admitir, sem mais ilusões, que não estarei presente ao casamento dessa moça.

Entretanto, bem que os Windsor (não me refiro aos duques, mas à casa real inglesa) poderiam ter se lembrado deste humilde representante da casa dos Drummond — casa um pouco mais antiga que a deles, cuja dinastia oficialmente teve início em 1901, com Eduardo vii, enquanto a fundação da nossa remonta a 1066. Sabem que significa essa data? Para a Inglaterra, a organização nacional, com o domínio de Guilherme, o Conquistador. Para nós, escoto-brasileiros, a origem dos Drummond, na pessoa do príncipe Maurício, da Hungria, agraciado com esse nome por obra e graça do rei Malcolm iii, da Escócia.

O caso é que esse Maurício salvou a pele dos príncipes ingleses, seus primos, comandando o barco que os livrou da fúria de Guilherme e que, tangido pela tempestade, fora arrojar-se na costa escocesa. O rei Malcolm agasalhou a todos e casou com a princesa Margarida, prima de Maurício — venerada hoje nos altares católicos como santa Margarida da Escócia —, e deu ao primo senhorio e título de nobreza local, com o nome Drummond. Em celta, drum onde, isto é, alta onda, em lembrança dos perigos marítimos vencidos pela habilidade e bravura (skill and gallantry) de meu antepassado, primo de uma santa.

Não vou apregoar aqui a história dessa gente Drummond. Na ascendência húngara, reis e rainhas nossos avós vinham de Arpad, fundador do reino em 850. Na descendência gaélica, tivemos onze senescais de Lennox, o primeiro deles morto na batalha de Alnwick, em 1093. Sir John Drummond, 11o senescal, enjoou do cargo, disse uma palavrinha ao ouvido do rei e recolheu-se a seu castelo de Sthoball. A rainha Anabela Drummond, esposa de Roberto iii da Escócia, era nossa irmã, isto é, de sir John Drummond. Nosso brasão parlante ostenta, em campo de ouro (privativo dos príncipes de sangue real), três faixas onduladas de goles, elmo e paquife, e, como tenentes, dois selvagens coroados de hera, empunhando cajados nodosos. Perguntem a um heraldista — o dr. Galdino Duprat — o que significam essas nobres imagens.

Não lembrarei nosso poeta da família, William Drummond, do século xvii, amigo de Ben Johnson e instaurador do soneto na poesia inglesa, até aí desprovida desse florão. Nem preciso citar bibliografia genealógica; é o que não nos falta, louvado Deus.

Depois de tudo isso, com tudo isso… Marlene Dietrich foi convidada para a festa e esquivou-se: tinha um contrato a cumprir. Ora vejam. As famílias reais europeias fecharam-se em copas, ante o convite: ou não lhes agrada o noivo fotógrafo, aliás boa-praça, ou qualquer coisa nos Windsor não lhes apraz. Mas a mim, que não me convidaram, cabe perguntar, sem amargura, porém com altivez: Por que os Windsor fizeram isso? Eles eram apenas uns teutos Saxe-Coburgo-Gotha até 1917, quando Jorge v os nacionalizou por circunstâncias de guerra, dando-lhes a apelação atual; nós somos Drummond há quase novecentos anos, nunca mudamos de nome, temos nosso castelo medieval no condado de Perth e, mesmo não cultivando o brilho meio imperial meio republicano dos príncipes d. Pedro e d. João, mantemos verdejante, embora no arquivo, nossa árvore de costado. Será que as velhas lutas entre a Escócia e a Grã-Bretanha, que uma vez levaram nosso amado oitavo senescal ao cárcere de Wisbach, ainda perduram no espírito dessa gente? Não posso crer. Paciência. Desejamos felicidades à menina Margaret e ao Anthony; sobretudo, que se livrem dos salamaleques e bobagens da corte. Mas não esperem nosso telegrama, ó primos Windsor; e no dia das bodas, não abriremos em honra do desposório nosso uísque Drummond, outra especialidade de the most noble and ancient House of Drummond.

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